“Para quem quer se soltar invento o cais
Invento mais que a solidão me dá
Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de encontrar”
(Cais – Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)
A voz que desafia a lógica, que nos põe em dúvida da existência de anjo ou de demônios, é quase uma luz na escuridão, acompanhada, pois instrumento algum consegue fazer o que Milton Nascimento acaba de criar, na imensa interpretação de Cais, mas não satisfeito, ele nos transporta para tão longe no magistral Clube da Esquina, em que desfila sua voz incomparável.
Os acordes iniciais de guitarra, gravados em mono canal, parecem lentamente, preguiçosos, quase como um finalizar de uma música, de repente são quebrados pelo dedilhar de um violão, abafando a guitarra e agora em todos os canais, anunciam que estamos prestes a ouvir um clássico, tudo isso em Wish you were here, não é obra do acaso.
O encanto com essas velhas/novas músicas é renovado a cada vez que se ouve, sempre como se fosse a primeira. O clássico está no estranhamento, que só as grandes obras provocam em nossos sentidos. Ouvir uma música, ler um livro, assistir a uma peça ou filme, se ele não te incomodar, saiba que dificilmente será percebido como extraordinário como algo mais, além dos sentidos.
A genialidade dos grandes criadores reside no fato de que ao tomarmos contato com suas criações, eles nos fazem nos sentir completamente tomados por elas, entregues, sem defesa, quase sem crítica, pois, ali, a força humana se materializa de forma plena, isso não se confunde com gostar, mas entender o que é sublime, para além da razão, sensações únicas e que se repetem toda vez que voltamos a elas.
É impossível assistir Blade Runner, acompanhar o diálogo do criador e criatura, não pensar em Paraíso Perdido, na assembleia dos anjos caídos. Quem sabe ver Star Wars e lembrar de Teogonia, como nos ensinou Joseph Campbel, a construção de heróis são universais, não estão no tempo e lugar, mas como nossa fantasia e desejo vai criando, como ideal de nós mesmos.
Essas obras salvam vidas, encorajam a viver, apaziguam o coração, nos elevam e nos levam à dimensões jamais imaginadas, nem importa a língua, idioma, ou a compreensão estética, o sentido ultrapassa a razão, apenas nos deixamos seguir, curar nossas dores, feridas, pensar que há algo maior a fazer e contemplar.
Viva!