“O deus dos mortos, que adormece a todos,
leva-me viva para os seus domínios
sem que alguém cante o himeneu por mim,
sem que na alcova nupcial me acolha
um hino; caso-me com o negro inferno.” (Antígone – Sófocles)
É quase certo que um punhado de pessoas muito próximas sentirão por um bom tempo o partir, depois cairá no esquecimento, sobreviverá na lembrança de um grupo de não mais que três ou quatro pessoas, afinal há mais de 7 bilhões de pessoas que “vivem” no planeta. Cada um de nós é uma pequena gota nesse oceano de águas turvas, que pouco ou nada se valoriza, menos ainda uma perda qualquer.
A morte é a única certeza de quem vive, melhor dizendo, é um marco certo, de uma vida incerta. Naturalmente, a maioria, morre de medo de morrer. Melhor seria, viver para morrer, sem o medo, o que acarreta apenas uma tola e autoritária não aceitação de que um dia, qualquer dia, a morte virá, com ou sem saúde, por modo natural ou violento, não fazendo sentido lógico, temer o que não se controla.
Tratei do tema em vários textos, sempre sombrios, tema relevante demais, que provoca pavor, quase nenhum comentário. Antígone temia a morte por ser virgem, não conhecera o Himeneu, pois não consumara o casamento com Hêmon, seu primo. Os lamentos antes de ser enterrada viva, pela desobediência às ordens do Tio, Creonte, são especiais, pois morte e sexo se confundem.
Para Aquiles, a morte, ainda jovem, era a condição para a eternizar seu nome. Sua mãe, Tétis, por várias vezes tentou desviar seu rumo, dissuadir da guerra e destino, mas prevaleceu a máxima do herói de que seu fim seria o início de sua transcendência para sempre, o que até nos dias presentes, o mito dele, seja conhecido, a morte no célebre calcanhar, vira frase e sinônimo de um ponto vulnerável.
Ora, estamos vivos, qual a razão de falar de morte? Talvez porque ela nos espreita, se aproxima de cada um de nós, pela idade, pelo sentido de finitude de cada um. As grandes aspirações dão lugar a uma busca desenfreada apenas para ter um ocaso digno, o que, cá entre nós, é cada dia mais difícil, daqueles 7 bilhões, a imensa maioria, luta apenas para se reproduzir, um dia após o outro, a escatologia talvez seja a vã esperança que sobra a quase todos nós.
A literatura, as artes, a religião, para quem tem fé, são caminhos de esquecimento ou de elaboração sobre o nosso destino, nossa passagem por essa terra, se existir algo fora, como lembra Hamlet, terra de onde ninguém jamais voltou. A celebração da vida pode ser o esquecer seu fim, mas também de que se pode fazer algo mais aqui, enquanto se vive e não ser um mero expectador, quando acordar, perceber que não se viveu, como fala Whitman.
Como também pode ser simbólica as várias mortes, ou os vários lutos. De um amor, de um trabalho, de uma realidade, de uma idolatria. Enfim, uma ruptura que não terá volta, o seguir em frente, aqui ela significa libertação, romper grilhões e limites, pois se vence o “medo de morrer”, faz-se opção pela vida, ou outro viver, rompendo um ciclo de uma “morte lenta e profunda”.
Vivamos, como na poesia de Fernando Pessoa, ainda que seja por tão pouco
As rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos”.
Ou quem sabe valha a máxima do poeta Horácio, de que somos pó e sombra (“puluis et umbra sumus”).
Somos encantadores ou meros fantasmas de nós mesmo?
Vida é movimento, diria Vieira em seu Sermão da Sexagésima:
“Deu o vento, levantou;
Parou o vento, caiu.”
Corrigindo….rss
Deu o vento, levantou-se o pó;
Parou o vento, caiu.
(acho que não acordei direito ainda…)
Gilberto Gil na genial letra de Drão cantou assim:
“Quem poderá fazer aquele amor morrer
Se o amor é como um grão,
Morre, nasce, trigo, vive, morre, pão …”
Ou ainda da série Altered Carbom “A morte é a última proteção contra os anjos mais obscuros da nossa natureza”