É preciso dizer, antes de qualquer coisa que, Lula foi o mais importante presidente da história do Brasil. Sua trajetória de vida é peculiar, e sua construção política, mais ainda, de onde veio e como sobreviveu a todos os desafios para se tornar “Lula”, é digna e, traz em si, os elementos fundamentais do conceito grego para Herói, tema que me é tão caro.
Mas aqui não tratarei desse tema, gênese e desenvolvimento do Herói, mas de sua dolorosa desconstrução, sua trágica morte, como ciclo de todo grande mito, pois nasce em condições improváveis, tem seus desafios iniciáticos inacreditáveis, até seu apogeu e seu reconhecimento como herói, porém sua “morte” também se dá em condições extremas.
A história e o arquétipo caminham lado a lado, nenhum herói irá para a ilha dos bem-aventurados, sem seu último sofrimento, sem sua morte trágica, é disso que se trata esse último julgamento, como matar um mito, como destruir o herói e dessacralizá-lo, para que se aceite que ele, Lula, é apenas um Luís, um antigo retirante do pau de arara, seus feitos serão deletados. Apagar sua presidência e seu extraordinário relevo no cenário mundial, nada mais que isso, matar imagem e o homem.
Ainda em 2015, escrevi que, para ter sucesso no processo de destruição das pequenas conquistas (mas importantes e relevantes) dos 99% tiradas à fórceps dos 1%, era preciso apagar Lula do cenário político nacional. O contraditório período petista foi das enormes concessões dadas àqueles 1%, num complexo caso de conciliação e inteligência, arquitetado por alguém com conhecimento real do que é ser excluído, não aprendido em manuais, mas vivido e não esquecido.
Mesmo assim, não há lugar na história dos poderosos para ele, nem para ninguém que não venha dos de cima, não adiantaram as concessões ou afagos a eles, em troca de relevantes conquistas, não se pode governar com nenhuma nuance diferente daquilo que o Kapital estabelece, daí o risco e a necessidade de que Política e Democracia se tornem irrelevantes ou algo tão confuso que não valha a pena acreditar. Repito: mesmo nos marcos dos Kapital,
A derrocada da experiência petista no governo central passa pela chantagem a seu maior líder, se por um lado ameaçavam apear Dilma do governo, do outro lado, através da malfadada Lavajets, pressionavam Lula para que minasse suas forças e impedissem uma reação, em vários momentos, as duas táticas sincronizadas, aumentou o poder de fogo golpista. As manchetes de um lado e de outro demostrava como agiram deliberadamente.
A divulgação de um áudio fraudulento foi um golpe final, para ambos, impediu a nomeação de Lula para ministério, assim como pôs à pico a frágil institucionalidade. Todos os sinais de ruptura com o Estado de Direito e com a Democracia foram avançados, a irresponsabilidade se traduz em várias frases e ações dos algozes de Lula. A mais singular feita pelo Pastor-MP que “não tinha provas, mas convicções” de possíveis ilícitos dele.
A sentença dada, no âmbito da lavajets, do famigerado Triplex é surreal, algo inusitado e que ultrapassa qualquer limite de respeito às leis e julgados em casos semelhantes. Ali se produziu a maior farsa jurídica da história recente, pela falta de provas, as mais elementares, o juiz-justiceiro abusou de seu (pequeno) poder, pois conta com a complacência de uma Democracia destruída, com o respaldo de mídia essencial para casos assim.
A provável confirmação, em segunda instância, desse veredito irresponsável, traz à luz uma questão central: Caso Lula não fosse candidato, ou não tivesse índices de popularidade tão altos, prosperaria uma ação desse tipo?
Lembro que em 2016, ainda na época das incertezas (diria ilusão de alguns) quanto à queda evidente de Dilma, defendi por várias vezes que Lula deveria não se candidatar, ou se apresentar como candidato à presidência, pois entendia que, sendo candidato, a sua destruição seria questão de honra para os golpistas, na inveja inominada provocada por ele aos bem-nascidos, especialmente do o judiciário, a ponta-de-lança do GOLPE.
Entendia que a sua não candidatura poderia evitar que a guerra jurídica e a perseguição sem quartel abrandassem, permitindo a ele e a sua família uma paz para curso final de sua especial vida. Prova dessa loucura foi a prematura morte de sua companheira, uma das várias vítimas desse momento canalha em que vivemos. Estive no velório de Marisa Letícia e depois encontrei o ex-presidente algumas vezes e percebia o quanto o machucaram, mesmo que não tenha vergado e mantenha sua altivez, o que é algo absolutamente inacreditável.
Obviamente que a questão se amplia para além do destino do cidadão Lula, pois a política e as razões de estado se impuseram, mas não deixarei de pensar que nós, militantes e solidários, não deveríamos impor ao ex-presidente uma carga ainda maior do que já teve e que ainda tem. A Direita e seus verdugos não terão comiseração, por que nós não temos? Por que exigir mais isso dele?
Volto ao mundo grego, quase como acordando de um transe, pois sei que é uma ilusão esse post, afinal a trajetória de um herói não termina na ilha dos bem-aventurados sem sua gesta final com dores típica dos seres míticos, os trecho do post “A Questão do Herói”:
“Se o herói tem um nascimento difícil e complicado; se toda a sua existência terrena é um desfile de viagens, de arrojo, de lutas, de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimentos, o último ato de seu drama, a morte, se constitui no ápice de seu páthos, de sua “prova” final: a morte do herói ou é traumática e violenta ou o surpreende em absoluta solidão”
A imensa maioria dos heróis morre de forma trágica, como a completar um ciclo, que desde o nascimento até seu fechamento seus feitos são dolorosos e marcantes. Uns se matam, como Ájax Telamônio, Hêmon, Antígona, Jocasta, Fedra, Egeu. A guerra, as justas e as vinganças são as grandes ceifadoras. Como lembra Junito, “basta abrir a Ilíada e o final da Odisséia, que se passa a nadar num mar de sangue. Da morte de Reso, Pátroclo e Heitor até o massacre dos pretendentes, no XXII canto da Odisséia,a cruenta seara do deus Ares produziu frutos em abundância”!
(…)
Desse modo, a morte do herói transforma-o em daímon, num intermediário entre os homens e os deuses, num escudo poderoso que protege a pólis contra invasões inimigas, pestes, epidemias e todos os flagelos. Partícipe de uma “imortalidade” de cunho espiritual garante a perenidade de seu nome, tornando-se, destarte, um arquétipo, um modelo exemplar para quantos “se esforçam por superar a condição efêmera do mortal e sobreviver na memória dos homens”.
Que a força e a sabedoria estejam com Lula.
Li seu artigo com interesse, pois admiro Lula e tudo que fez pelos desfortunados desse País. Tenho medo do processo eleitoral, onde não faltará golpes baixo e tenho medo de seu governo, uma vez ganha a eleição, pois não o deixarão governar. Será que vale a pena tudo isso?