“Por um ato só pendente
da minha própria vontade,
provarei que a humanidade
é também omnipotente;
que não passam de delírios,
abortos da mente insana
esses infernos-martírios
com que a morte à vida engana” (Fausto – Goethe)
Vivemos em Estado de Exceção como Regra, não é apenas algo fora do Estado de Direito, momentâneo e que se dissipará com uma nova carta constituinte em que um novo pacto político e social seria feito e, assim, são consagrados em lei e direitos, ainda que fossem mínimos, limitados, mas, Direitos. Essa é uma realidade mundial, a desordem é geral e que representa a ruptura final com o antigo Estado de Bem-estar social, legado da Segunda Guerra e principalmente da “Guerra Fria”
Essa nova perspectiva, sob minha ótica, se abriu a grande crise do petróleo e teve seu ponto máximo com a queda do Muro de Berlim, tendo como veículo o novo liberalismo de Reagan-Tatcher, que uniu os dois pontos. O pesado Estado do pós-guerra não dava mais resposta para os novos ciclos do Kapital, especialmente o controle sistêmico da produção de valor, controlado pelo Capital Financeiro, que levou sua especulação e destruição a lugares nunca dantes navegados.
Essa horda selvagem, a verdadeira invasão bárbara, tem sua glória os anos dourados da última década do outro milênio e os primeiros anos deste. A nuvem de trilhões precisa se realizar em todos os lugares e não pode tomar conhecimento de constituições locais, caráter protetivo, menos ainda os distributivos. Por onde ela visita, ela destrói realidades, vidas, comunidades e sonhos. Nada fica de pé. O importante é não ter resistência ou qualquer freio.
O Estado, quer seja aqui ou na Finlândia, no Japão ou no Egito não pode ser obstáculo ao Kapital. As constituições, as leis são modificadas ou adequadas aos desejos ultraliberais. A realidade do início do século com a queda das Torres Gêmeas, a introdução do Patriot Act 1 mudará a dinâmica do centro do capitalismo. A única potência promoverá sua guerra ao “terror”, da lógica do medo, oferecendo mais medo, tendo como solução a imposição de que as pessoas devem abrir mão de seus direitos para que um ‘novo Estado” as proteja, seja lá do for.
Essa nova lógica desaguará no Estado de Exceção como Regra, que prefiro denominar de Estado Gotham City. Seus novos heróis são os justiceiros vindos do Judiciário, juízes e promotores. No centro o combate ao “terror”, na periferia, o combate à ‘Corrupção”. Tudo dentro de um mesmo veio, que garante a extrema exploração do Kapital, dando-lhe mãos livres e cortando seus direitos mais essenciais dos trabalhadores e do Povo.
Nesse contexto, Política e Democracia, passam a ser estorvo à nova ordem do Kapital e precisam ser destruídas, desmoralizadas, criminalizadas, parecer ato indigno alguém ser político ou pedir mais democracia. Aqui entra o reino da barbárie, da naturalização do mal, a violência cada vez maior na luta sobrevivência, caos urbano do desemprego, das drogas e da completa falta de perspectiva daqueles 99% submetidos a um punhado de bilionários mesquinhos.
Essa falta perspectiva leva ao extremo, num balé sincronizado e destrutivo, de ações vis, como o tolo escracho aos políticos, agressões e exposições ao ridículo, uma catarse próxima ao fascismo, de negação pública da Política, sem se perceber que é essa é a arena criada pelo Kapital para continuar seu domínio sem questionamento e que apenas piora as condições de luta pela Democracia e de inserção Política da sociedade.
Os atos violentos são uma espécie de caldo de cultura para criar um espetáculo tétrico de uma sociedade que se desmancha no ar, aquilo que parecia sólido. Eventos como a tatuagem sob tortura de um “bandido”, por outro “bandido”, são vistos como “justiça” com a mesma desculpa de que “estamos cansados de apelar e nada acontece”, não se pensa sobre essa cultura de violência e de incentivo aos baixos instintos, de que precisamos nos matar, nos agredir, sem entender o que realmente acontece no andar de cima.
A cada dia um novo fato, acontecido ou criado, induz à barbárie, potencializa o medo e a sensação de caos. Nesse mesmo caminho é que vem o depoimento da jornalista Miriam Leitão, que se disse vítima de intimidação durante um voo, por uma horda de militantes do PT sob ordem do ex-presidente Lula. Mesmo não crendo nos termos em que ela descreveu a ação e muito menos na atribuição de culpa de Lula, especialmente porque não crível que alguém de esquerda a acuse de ser “terrorista”, absolutamente inverosímel, assim como acho um Erro e despolitizado escracho aos políticos, não seria diferente a ela, uma personagem menor, sem nenhuma relevância.
A relação da mídia corporativa com o Golpe e com o fim da Democracia, a escandalização do Nada, inflou e insuflou a sociedade ao ódio aos políticos, o que não a torna livre de ser vista como Golpista e seus representantes serem identificados com o estado de coisas em que se encontra o País. Semeou o ódio fascista, quer colher flores?
A questão para nosso lado é que não podemos perder a racionalidade e muito menos nos tornar instrumentos dessa lógica destruidora.
A cena que assistimos hoje no Brasil e no Mundo, nos parece um Déjà vu, já assistimos no Cavaleiro das Trevas Ressurge, o que não deixa de ser irônico, do juiz-louco que julga e condena num tribunal improvisado, ao herói Bane, que incendeiam as rua de Gotham, até o discurso lembra os revoltados ocasionais.
A imitação da ficção é perturbadora.