“A inteligência nada pode contra a fatalidade” ( Prometeu Acorrentado – Ésquilo)
O mundo passa por um processo de mutação acelerada, com a mudança de paradigma do papel do Estado, fruto da grande Crise de Superprodução (Crise 2.0) que explodiu em 2005 nos EUA e 2007 na UE, tornadas públicas respectivamente em 2008 e 2009. A rara combinação de crise simultânea no centro do capitalismo nos remete à crise de 1929, que também gestou um novo Estado, o de bem-estar social.
Essa alteração de qualidade do Estado, que metaforicamente denomino de Estado Gotham City, vinha sendo preparada desde final dos anos 70 e o início dos anos de 1980, com o denominado neoliberalismo de Reagan e Thatcher, ou melhor, com a captura do FED pelo Goldman Sachs, através do Democrata Paul Volker. E no leste com a Perestroika de Gorbachev, os dois movimentos convergiram para a quebra do Estado de Bem-estar Social.
Mas o salto de qualidade, efetivamente, se deu no pós-crise, especialmente nos EUA, a máquina bem azeitada de um Estado forte na estrutura de repressão interna e externa, completamente “autônomo” diante dos governos de plantão, dominado por agências reguladoras perenes, sua burocracia formada pelas classes médias urbanas, com status e riqueza típicas da burguesia.
Hoje, esse novo Estado, quase prescinde de Democracia ou Política, naquilo que preconizou o filósofo italiano, Giorgio Agamben, “Esta transformação é tão extrema que podemos legitimamente perguntar não só se a sociedade onde vivemos é ainda uma sociedade democrática, mas também se esta sociedade pode ser considerada política”.
Para o centro (EUA e UE – Alemanha, em especial), não nos parece que haja dúvida quanto ao modelo que se materializa de forma irresistível. Pior, ainda não se encontrou uma forma concreta, pelo lado do povo e dos trabalhadores, de enfrentamento a esse “novo poder” esmagador, cujos fundamentos essenciais é desprover aos 99% de suas populações das condições de resistir, pois sem política e/ou democracia, a luta é mais desigual.
Formalmente teremos simulacros de ambos, política e democracia, porém, como nos alerta Agamben, sobre a caracterização da Europa, que é possível “demonstrar que a sociedade europeia já não é uma sociedade política: é algo totalmente novo para o qual nos falta ainda uma terminologia apropriada e para o qual teremos, portanto, de inventar uma nova estratégia”. E quanto à América Latina e o Brasil?
O desenvolvimento intermediário do Kapital na América Latina, ainda com enormes tarefas “democráticas” a serem cumpridas, como aquelas mínimas de reforma agrária e urbana, de combate à fome e à miséria, impedem, objetivamente, a simples transformação ou importação desse modelo de “novo Estado” para esses países. As mazelas de corrupção endêmica e da violência cotidiana também ditam os ritmos das mudanças, não permitindo uma adoção ou adesão ao modelo.
Essas contradições históricas foram determinantes para o sucesso inicial dos governos petistas no Brasil. Com uma agenda micro bem definida, de combate à fome e à miséria, ao mesmo tendo incluindo amplas massas ao mercado de consumo, explica a efetividade do governo Lula, combinada a um momento em que havia expansão do comércio mundial.
Entretanto, a herança política histórica de costura de poder/governo, que passa por uma composição de interesses nada republicamos, trouxe para o PT a necessidade de adaptação, uma aceitação tácita e/ou conivente com os velhos esquemas corruptos, que permeia o sistema eleitoral e de representação política. Enquanto havia crescimento e partilha da ampla riqueza gerada, o jogo político foi tolerado ou ignorado, mesmo com a grande mídia ferozmente atacando o governo dia a dia.
A grande virada de humores e de percepção se deu com o fim do ciclo de crescimento e expansão, os reflexos da grande Crise 2.0, começam a ser sentido de forma ampla, a longa campanha midiática finalmente começou a surtir efeito. Uma onda crescente de ódio e de identificação do PT com tudo que de ruim o sistema político brasileiro tem, especialmente a corrupção, mesmo que foram os governos que mais combateram à corrupção.
A explosão de manifestações violentas iniciadas em junho de 2013, a campanha de desmoralização da Copa do Mundo, não foram suficientes para a queda do governo, ao contrário, ele se renovou com a reeleição de Dilma Roussef, numa acirrada disputa eleitoral, já marcada por presença de elementos de intervenção externa, em especial, nas redes sociais.
Dilma venceu a eleição, mas não governou um só dia. Uma bem urdida articulação de mídia, oposição e judiciário, criou o terceiro turno. O caminho foi dar amplo poder a uma operação investigatória, quase um tribunal de exceção, cujos principais cabeças por várias vezes foram aos EUA, em viagens cujos objetivos jamais foram (ou serão) revelados. Os métodos de investigações são típicos do sistema legal dos EUA, não pode ser mera coincidência.
O desgaste de um ano e três meses chegou ao ápice com a abertura do processo de impedimento. Em menos de 40 dias, um dos maiores corruptos do Brasil, Eduardo Cunha, liderou um golpe de Estado em nome do combate à …corrupção. A queda do governo foi rápida, dando lugar a um governo recheado de ministros envolvido com…Corrupção. Parece cômico, mas é trágico.
A questão fundamental, e grande mérito, do Governo Golpista de Temer, é que ele trouxe de forma explícita a agenda do “Novo Estado”, do Estado Gotham City, não precisamos ficar elucubrando o que seria um governo de Direita, alinhado aos interesses dos EUA, agora temos na prática o que realmente querem, sem meio termo. (ver Os Dez Dias Que Abalaram O Brasil)
Isso não significa que Temer-Serra-Cunha serão capazes de implementar qualquer uma dessas políticas, pois a costura política é bem complexa, difícil e sem respaldo de um governo que não teve voto, não expressa o desejo das urnas. Além disso, o ódio criado na sociedade não será pacificado, não existe governo de “salvação nacional” com um ministério tão medíocre.
Outro ponto de tensão evidente, é como cuidar do poder dado à “república de Curitiba”, o tribunal de exceção gostou da brincadeira, pior, se acha numa ação divina, salvação moral e messiânica do Brasil. Como bem disse Jucá “querem criar uma casta de puros”, bem, esse, já experimentou o poder da casta.
Na verdade essa “casta” é filha direta do modelo das agências e da burocracia perene que hoje domina o Novo Estado, para eles não existe Democracia ou Política, os concurseiros nacionais, os meritocratas de cursinhos, não reconhecem a necessidade de mediação das relações, se aferram na letra fria de leis, ou incorporam valores estrangeiros aos seus postulados e ações.
Essas ações midiáticas, quando olhadas bem de perto, se revelam uma grande fraude e pode arrastar o Brasil para uma ditadura do judiciário, cujos novos capítulos, em breve, poderá não ser só contra o vilão nacional, o PT, mas avançar sobre Renan, Temer e qualquer um que achar conveniente. Não há mais a quem recorrer, quando cair o sistema legal. O Golpe dentro do Golpe é gestado no judiciário.
O Estado de Exceção mandou um beijo.
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