Ao longe ecoa o som do piano, Luana, com dedos mágicos, toca os acordes iniciais de “Secrets” (One Republic), sempre de cabeça, mas ela insiste em não ler partitura, mas a entrada ficou mais que perfeita. Incrível, como conseguiu captar o som da canção (não feita para piano), também pode ser apenas porque eu gosto tanto da música, quem sabe o orgulho da filha e seu talento de ouvir/tocar tudo o que escuta, algo que para minha completa limitação musical seria impossível, para ela é simples.
Dias depois volto ao mesmo som, a composição me perseguindo, fiquei tentado a buscar de onde vinha a lembrança tão viva e marcante. As diversas versões para esta música, já publiquei aqui noutra oportunidade, mas parece um fio condutor de uma boa memória, que me leva ao filme “O Aprendiz de Feiticeiro” em sua versão com Nicolas Cage e Alfred Molina, de 2010. Naquela época vivíamos o drama da doença da Letícia, ainda internada no hospital, no dia dos pais, Luana e eu, fomos ao cinema ver o filme, ela com febre alta, mas não desistimos, vem daí a “boa” lembrança.
O tempo passou, não tão rápido como gostaria, principalmente naqueles dias de agonia, mas depois os as horas, os dias e as semanas voaram e tudo virou pretérito, mas guardamos sutis lembranças, que algumas vezes voltam, não para nos assombrar, mas para nos mostrar que também havia poesia na dor. Foram momentos únicos, sofridos, que não serão esquecidos, exatamente como machucaram, mas hoje são temperados com leveza, os acordes de “Secrets” suavizam os sentimentos, transformando em alegria, aquilo que era tristeza.
A poesia (literatura, música, artes visuais) tem o dom de nos curar de todos os males que nos machucaram, mesmo aqueles que acreditávamos jamais seriam esquecidos, ela transforma, recria, refaz e nos livra de dores e chagas. As feridas são fechadas, a pele pode se tornar dura, as cicatrizes ficam ali como lembrança, marcando o corpo. Entretanto, a cabeça, a memória, a alma estará livre de qualquer tormento mais grave, pois a poesia emenda e ajusta os tempos, não mais cronológicos, tudo vira atemporal.
Mais e mais, para sempre, há poesia, há música.