“Ouro! Ouro vermelho, fulgurante, precioso!
Uma porção dele faz do preto, branco, do feio, bonito;
Do ruim, bom, do velho, jovem, do covarde, valente, do vilão, nobre.
… Ó deuses! Por que isso? Por que isso, deuses;
Ah, isso vos afasta o sacerdote e do altar;
E arranca o travesseiro do que nele repousa;
Sim, esse escravo vermelho ata e desata
Vínculo sagrados; abençoa o amaldiçoado;
Faz a lepra adorável; honra o ladrão,
Dá-lhe títulos, genuflexões e influência,
No conselho dos senadores;
Traz à viúva carregada de anos pretendentes;
… Metal maldito,
És da humanidade a comum prostituta.”
(Marx apud Shakespeare, Timão de Atenas.)
Marx, antes de genial economista, era um poeta, a leitura do Capital é uma das mais ricas experiências que se possa ter. A obra é um desfile de erudição, graça, humor e radicalidade da análise da Economia Política, mesmo nas passagens mais complexas o autor procura suavizar o texto fazendo citações e referências literárias o que nos leva e eleva às outras viagens intelectuais e estado de espírito. A técnica apurada e peculiaridade narrativa derruba qualquer crítico desavisado, que talvez pense em “criar nova narrativa”, algo como reinventar a roda.
Em vários momentos da história se buscou “ressignificar” a questão do Dinheiro, do meio circulante e seu Valor, medida de valor. As empresas ou corporações lançam mão de novos e velhos fetiches neste processo de “ressignificação” das coisas, quando no fundo é apenas uma nova/velha máscara. Exemplos recentes é o pagamento de vantagens(salários indiretos) através de ações da empresas, principalmente nas empresas “modernas” de tecnologia e internet, que distribuiam IPO(Initial Public Offering), para que os funcionários virassem “sócios”.
No debate sobre os novos coletivos e suas formas de organização de trabalho, escrevi sobre o tema aqui no texto O “Novo” e o Kapital, concentrando na questão da “produção de Valor”, agora estou lembrando a relação deste com a circulação e seu meio de troca, o Dinheiro. Aqui cabe voltar ao velho Marx, mais uma vez, ainda no livro do Capital, discorrendo sobre o Dinheiro, que definiu precisamente, a máscara do valor expresso no Dinheiro “Como no dinheiro é apagada toda diferença qualitativa entre as mercadorias, ele apaga por sua vez, como leveller* radical, todas as diferenças. O dinheiro mesmo, porém, é uma mercadoria, uma coisa externa, que pode converter-se em propriedade privada de qualquer um. O poder social torna- se, assim, poder privado da pessoa privada”. (Marx, Capital, Livro I, Cap III. nota: *Nivelador)
Vamos às questões sem respostas claras: Seria o tal Cubo Card ou outra “moeda” uma espécie de IPO? Aquelas ações dadas pelas empresas “mudernas” para reter talentos, iludindo uma geração inteira se achando “sócia” da empresa que trabalhava, não se vendo mais como funcionário, mas como colaborador. Nestas empresas tudo parecia horizontal, pena que caras como Jobs, Gates ou Soros é que realmente eram os donos do Kapital e das empresas, as IPO/Cubo depois de convertidas no rompimento de contratos pouco ou nada valiam. Guardam semelhanças com o que “paga” nestes coletivos?
É importante lembrar ainda que no estourar da bolsa de internet, no começo dos anos 2000, conheci pessoas que se achavam milionários com suas IPO s que perderam tudo, pois iludidos com aquela farsa trocavam bônus, seus salários indiretos em Reais ou Dólar, ou seja, em moeda, por tais ações, para financiar a empresa. Quando as ações foram ao chão, os primeiros falidos foram eles. Qual o valor real e cotação destas “moedas” fictícias? Mais uma vez, insisto, é meio circulante, pouco importando o que nela venha cunhada (ouro, prata, latão, papel), pois A circulação torna-se a grande retorta social, na qual lança-se tudo, para que volte como cristal monetário. E não escapam dessa alquimia nem mesmo os ossos dos santos nem as res sacrosanctae, extra commercium hominum”* ( Marx, Capital, Livro I, Cap III. nota: Coisas sacrossantas, excluídas do comércio humano).
Pelo que vejo nada se cria, apenas usam nomenclaturas diferentes para expressar a mesma embromação, viva o Kapital: Burro ou Cognitivo, pois a exploração não é acidental, ao contrário, é a parte essencial do modo de produção. O fetiche é livre, se ilude quem quer.
Novas e lustrosas máscaras para velhas caras. A classe média se ilude muito com isso.
Cristalino!