Acordo cedo para levar minha filha à escola, em geral venho ouvindo rádios, músicas, pois é quase impossível escutar notícias, nem quero perder meu humor logo cedo. Porém, hoje, começou o horário eleitoral, aí descobri a vantagem dele, ouvir meus velhos cds. Por coincidência, estava no ponto, um do João Bosco ( Ai, ai de mim), quando selecionei caiu numa música que é uma viagem, os acordes inconfundíveis, o som que mistura o passado árabe da península ibérica, os mouros, aquelas culturas separadas e misturadas, que se funde em música, aqui no Brasil.
Desde muito tempo, ouvir João Bosco, é pensar na influência árabe em Portugal e Espanha, nas artes, na arquitetura, na literatura e muito na música. São várias músicas que ouço, volto a ouvir, em épocas tão diferentes e continuo a me sentir em séculos e séculos passados, hoje, mais uma vez, bebi desta fonte tão nobre, o violão único, com seus acordes quase como açoite, em contradição com o vozeirão, produz uma peça estranha, o fundamento do ícone é a estranheza que ele provoca em nós.
Poderia desfilar as muitas e fortes letras, mas as mais originais, para mim, desta identidade moura, que o violão fala mais alto. Aqui lemos “Das Dores de Oratório”, parece um festa ao lado da fogueira:
“Porque o amor é como fogo,
Se rompe a chama
Não há mais remédio”
Foi por amar
Que ela iô iô iô
Se amasiou com a tal solidão do lugar”.
A melodia, o bater nas cordas como querer que ela grite mais alto, dedilhando nota a nota, espaçando para que ele cante, sussurre os versos, uma perfeição de ritmos, que torna a letra ainda mais forte e intensa, prenuncia a tragédia:
Noiva que um andor podia carregar.
Foi no altar
Que ela iô iô iô
Dor que a própria dor de Das Dores será.
Foi no altar
Que ela iô iô iô
Não virá?
Não.
O abandono no altar a tragédia que se consuma, a voz e o andamento da música se tornam mais grave, pois vai precisar de muito mais para que alguém a salve:
Salvador Maria de Antonio e Pilar.
Era um lugar
Era iô iô iô
Seixo que gastou de tanto esperar.
Louca a gritar
Ela iô iô iô
Esquecer, quem há de esquecer
O sol dessa tarde… hum! Sol a gritar.”
A estória contada e cantada, tão comum e tão real, emociona e me fez viajar, iluminou minha manhã.