Crônicas do Japão VIII: Dekasseguis (Post 81 – 35/2011)

Crise dos anos 90

Comecei a trabalhar numa empresa japonesa em 1989 todos os diretores eram japoneses vindos de lá, uma espécie de prêmio, pois dificilmente lá teriam a mesma chance de crescimento hierárquico, aqui significava uma vida de mais conforto e uma aposentadoria mais gorda, pois o cargo aqui era remunerado e tinha status do equivalente no Japão. Poucos brasileiros tinham funções dirigentes, o principal impeditivo era a língua, idioma oficioso na empresa era o Nihon-go.

Entre os meses de Fevereiro e Junho de 1990 no meu departamento ficamos sem novas obras de implantação de centrais telefônicas, apenas os contratos velhos estava em andamento, chegamos a ficar no escritório 90 a 100 técnicos e engenheiros amontoados em salas de reuniões. Mas aí aconteceu um fenômeno impressionante, destes quase 100 funcionários, 85 eram descendentes de japoneses, cerca de 60 pediu demissão e foram embora para o Japão, teve dias de saírem 5 funcionários.

A grande crise inflacionária do final do governo Sarney e o confisco da poupança do Collor foram o combustível para a grande emigração dos descendentes japoneses rumo a terra de seus bisavós, avós e eventualmente pais. Os chamados Dekasseguis brasileiros constituem-se como a maior colônia de brasileira na Ásia e terceira no mundo.

Dekassegui

Dekassegui é uma combinação de palavras japonesas Deru Sair) com Kasegu (buscar trabalho) que genericamente era usada para identificar os trabalhadores que saiam de províncias distantes(Hokkaido, Okinawa) e iam para cidades maiores(Tókio e Osaka) trabalhar principalmente nas colheitas, depois na industrialização acelerada,serviam de mão de obra barata, o termo é pejorativo, também significando “ladrão de emprego”.

O termo passou a designar os estrangeiros, descendentes ou não de japoneses, que chegaram a grandes levas na metade dos anos 80 ao Japão, devido ao grande crescimento econômico e a crescente sofisticação da sociedade japonesa, os empregos denominados: Sujos, Pesados e Perigosos, que eram abundantes e mal remunerados, passou a ser feito por estrangeiros, houve uma leva de iranianos para construção civil pesada. Mas a diferença cultural não permitia sua integração.

Com a crise generalizada na America Latina, Brasil, Argentina, Peru, que havia recebido grandes levas de japoneses no início do século XX, acabaram sendo ponto de recrutamento desta mão de obra complementar. Havia sinais de identificação cultural, laços com povo e um conhecimento rudimentar do idioma.

Brasileiros no Japão

Milhares de jovens e adultos largaram emprego, insegurança, família e foram em busca de dinheiro e conforto no país de seus ancestrais. Arregimentados ainda no Brasil por empresas terceirizadas das grandes empresas, muito já chegavam lá devendo meses de salários. A necessidade de cobrir estas despesas, além de moradia, o alto custo de vida, fazia com que estes brasileiros e latinos se submetessem a longas jornadas para receber a Zangyō (Hora extra).

A dura realidade não desanimou estes heróicos cidadãos, que aqui no Brasil eram vistos como japoneses, porém lá era apenas um cidadão de terceira categoria, muitas vezes desprezados por não dominarem a língua, assinavam contratos lesivos, jamais tinham chance de ascensão social. Os salários altíssimos para o padrão brasileiros, não chegava a um terço ou metade de um japonês nato, sendo apenas compensado com jornadas mais longas, cansativas e perigosas. Muitos sociólogos estudando a vida destes trabalhadores estrangeiros chegam a falar de “escravidão remunerada” em determinado sentido é isto que se percebia.

O mais incrível é que lá o sentido de brasilidade acabou criando uma colônia mais rica e solidária cheia de criatividade, vários pequenos mercados com produtos brasileiros em pequenos caminhões, ou em casas se disseminou. Viraram ponto de encontro de troca de idéias, de apoio aos que perdiam emprego ou passavam por apertos típicos de um país estrangeiro. Viraram a maior colônia que fala português na Ásia.

Lembro que os jornais brasileiros eram vendidos nas lojinhas com 3 dias de atraso e as novelas eram gravadas em fitas VHS e alugadas, parece até brincadeira. Os brasileiros fundaram jornais direcionados para colônia em português, fizeram um canal de TV com noticias em português e matérias sobre o Brasil, com o avanço da Internet e das TVs a cabo, tudo facilitou, mas em 1996 era uma maravilha ler uma revista brasileira lá.

A colônia criou carnavais brasileiros, restaurantes, clubes, escolas, praticamente todos à margem da sociedade japonesa, os casamentos quase sempre dentro da colônia, pois um japonês (a) nato não se mistura. Em 2005 chegou a ter 302 mil brasileiros (descendentes ou não) morando no Japão, devido a crise de 2008 e 2009, 50 mil voltaram, pois perderam praticamente tudo.

O sonho de ir ao Japão ficar 2 a 4 anos para muitos virou a vida inteira, famílias constituídas aqui foram abandonadas, com separação ou não, e nova construídas lá. Mas um fluxo de 1,5 a 2 Bilhões de Dólares ano é o resultado do trabalho dos brasileiros lá que mantém vínculos aqui. Alguns compraram casas, terras, terrenos aqui para no futuro voltarem para casa. Outros voltaram, mas não se adaptaram, muitos ficam no ir e voltar. O certo é que a colônia brasileira segue firme na sua luta dia a dia por sua afirmação no Japão.

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Author: admin

Nascido em Bela Cruz (Ceará - Brasil), moro em São Paulo (São Paulo - Brasil) e Brasília (DF - Brasil) Advogado e Técnico em Telecomunicações. Autor do Livro - Crise 2.0: A Taxa de Lucro Reloaded.

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