“O deus soberano, cujo oráculo está em Delfos, nem revela, nem oculta coisa alguma, mas manifesta-se por sinais”. ( Heráclito)
Havia um Guia Genial na antiga URSS, ele tudo pensava, tinha as grandes ideias, mesmo as de outros, eram assimiladas como dele, afinal apenas ele poderia pensar, criar, imaginar, aos demais cabia a função de se ajoelhar diante do gênio, do guia, do guru. Qualquer senão, posição crítica era vista como afronta ao guia genial, imediatamente, quem as fazia, estava condenado para sempre, à Sibéria, no mínimo.
Noutras épocas ainda mais remotas, os líderes contratavam poetas, “historiadores”, para que encontrassem indícios de que o personagem descendia de algum deus, ou de vários, depois contar longas histórias e feitos que lhe confira autenticidade. A autoridade sobre os demais mortais se dava pela tal da “origem” divina, ora, se ele é parente em linhagem de um deus, logo, um deus é, nem se discute, melhor um facada, como Brutus, fez, não tendo deus que salvasse.
A “modernidade” não está livre dessas manipulações elementares, nem à esquerda, nem à direita, “Mitos”, “Gurus”, “Guias Geniais”, “Filho de deus (as)”, tudo isso, claro, parte são superstições, mas faz parte da experiência humana, entretanto é preciso ficar atento pois este gurus se aproveitam para extrapolar e partem para exploração de seus adeptos.
Na maioria das vezes criam seitas, coletivos, marcas, produtos para tornar seus fiéis em pessoas raivosas, estreitas e sectárias. Jamais se pode falar, criticar ou comentar sobre tais ícones, pois se corre o risco de linchamento moral (“Cancelamento”) feito pelos torpes fiéis, perde-se o elemento mais elementar, o poder da reflexão, pois se transforma em guerra santa e maniqueísta.
Qualquer questionamento é visto como “desrespeito” ao “Novo”, como se o “Novo” se colocasse acima do bem e do mal, não podendo ser perguntado, interpretado e discutido. E vai se empobrecendo o real conhecimento e experimentação destas propostas, que entram na vida real como mais um pacote pronto e acabado, contradizendo o próprio sentido do que se propõe, a tal “multidiversidade da narrativa”, seja lá o que diabo isto signifique.
A internet como oráculo de uma “verdade” fake, que só se sustenta pela repetição da mentira, tomada como verdade, que não admite um debate com bases científicas, com critérios claros, que possam balizar o embate. Nada nos estranhe que o terraplanismo tenha tantos adeptos, ou de que a ciência é mera questão de opinião.
O que se percebe nas redes sociais é a eterna repetição da necessidade dos Gurus, Xamãs, o que de todo não é ruim, mas o discurso empolado, tentando ser pós-tudo (pós-rancor, pós-modernidade, pós-Luta de classe), quando na verdade pode esconder exatamente o velho, ou o pós-nada, apenas uma necessidade de se integrar à sociedade consumo com algum status.
Lembremos dos Hippies (virando Yuppies) ou dos Punks, domesticados como “moda”. Portanto não se trata de detratar ninguém, apenas trazer à luz, compreender e dialogar, inclusive para se negar de forma direta, com propriedade e sem receio de ser massacrado pela manada do “amém, aleluia”.
Aliás, é uma reflexão sobre a nossa dificuldade de dialogar, talvez seja nosso calcanhar de Aquiles, esteja no fato de que defendemos a horizontalidade em tese, mas agimos e funcionamos por hierarquia, de forma vertical, submisso aos chefes, caciques, gurus, vacas sagradas etc.
Ao debate, ou não.