“Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Soltam-se meus dedos tristes
Dos sonhos claros que invento
Nem aquilo que imagino
Já me dá contentamento”
(Marcha – Cecília Meireles)
Algumas leituras sombrias, talvez não sejam apropriadas ao período do ano, esse espírito (comercial) natalino, não deve ser quebrado, para não quebrar as vendas. Enfim, pouco me importa, tenho que mexer com as mentes, a minha pelo menos. Essa madrugada sem sono, pelo calor excessivo, pululando na cabeça um texto, completo falando sobre maldições sequenciadas que atingem gerações do mitologema grego.
Assunto tratado, separadamente, em alguns posts muitos anos atrás, sobre cada um desses mitos que tiveram como fio condutor uma expiação, de pai para filho, destes para netos, num fim trágico sem termo. Escrevi sobre a maldição do ciclo tebano, a dos labdacidas, ou de micenas, com os atridas. Portanto, não cabe mais detalhes, que não é o objeto dessa reflexão.
Ora, o funesto destino de Polinice, Adrasto, Ismênia e Antígone, os filhos de Jocasta mãe e esposa de Édipo, responde por uma longa maldição, que vem de Cadmo, o fundado da cidade de Tebas, que passou para Agave, sua filha que mata o filho, Penteu, depois se segue com Lábdaco, outro rei morto despedaçado, por fim chega a Laio e Jocasta, que desobedecem aos deuses, tiveram Édipo.
O que não é diferente o destino de Electra e de Orestes, os últimos da tradição amaldiçoada dos Atridas, que vem de Tântalo, que serviu aos deuses um banquete com os membros do próprio filho, Pelops, que chega aos seus filhos, Atreu e Tieste, que matam o irmão e depois lutam entre si, sendo que Atreu repete o avô, servindo os filhos de Tieste em banquete. Apenas Egisto, filho de Tieste, mata Atreu, ainda corrompe Clitemnestra, esposa de Agamenon, seu primo, que o mata.
Os crimes de sangue, passam pelas gerações, em que todos expiam, os pecados dos pais, avós, numa cadeia sem fim de tragédias, vinganças e mortes. Algo que parece perdido no tempo dos Balcãs, mas que se encontra na literatura mais recente, como também em outras partes da Europa, como na América. Ou no modus operandi da sfamílias mafiosas nos EUA, na Itália, ou no nordeste brasileiro.
Mas a questão é a fatalidade das condutas, ou uma culpa subjacente que explica, justifica que o fim trágico continue, sem que nada possa parar. No caso da Orestia, o julgamento pelo conselho dos sábios com o voto de Minerva, absolve Orestes, para desgosto das Fúrias, o Estado, age para conter o ciclo incessável da violência no seio privado, familiar, da relação com o divino e suas crenças.
O que nos perguntamos, especialmente nesse momento particular, se a perda de uma filha, por uma violência indireta, qual o peso que recaí sobre nós, os pais? Que tipo de expiação estaríamos pagando? É próprio ou algo absolutamente aleatório. Algumas culturas reencarnações, carmas, ou de espírito, tentam explicar a alma ou os vários corpos preenchidos por ela.
O vazio que nos assola, devasta, abre reflexões tolas, ou busca de respostas insensatas, quem sabe inexatas sobre o que acontece, ou por que acontece, algo como esse, da nossa filha. Talvez não haja conforto, ponto de retorno, exceto uma aceitação tácita do fim, de que não há mais o que fazer, quem sabe encontrar uma fonte de luta, uma reparação de erros.
Nada do que diga agora se coaduna com o mercado natalino, nem precisa que seja, não altera uma vírgula da vida externa a nossa, muito menos é um desabafo mesquinho. É, apenas é, uma reflexão dolorida de um animus e anima, inquietos.