Vim morar em São Paulo em 1989, na época, uma das coisas que fazia nos fins de semana era andar pelo centro da cidade. Conhecer as pessoas e os lugares. Morava na Moóca, sábado pela manhã pegava o trólebus na Avenida Paes de Barros e descia ali ao lado do corpo de bombeiros na Sé. Dali atravessava a Sé e seguia invariavelmente para rua direita rumo à República. Onde almoçava e ia aos velhos cinemas da Avenida Ipiranga.
No começo de 1990, com fim do famigerado Governo Sarney e seu ministro da fazenda, Maílson da Nóbrega, aquele da inflação de 84,3% ao MÊS, combinado com o início do Governo Collor que roubou a poupança e jogou o Brasil no caos, o cenário da Praça da Sé era de completa miséria.
Nos anos de 1990/1992, com o famigerado governo Collor, em que o desemprego chegou a ter um em cada cinco pessoas na grande São Paulo. Depois, entre 98 e 2000 com a desvalorização do real e o apagão de FHC, os bolsões de miséria nas ruas e a desesperança generalizada. O que perdurou por longos anos, como um termômetro para mim, de como ia a economia do Brasil.
O cenário da Sé tinha melhorado, ano após ano, durante o segundo Governo Lula e o primeiro Governo Dilma, com crescimento econômico, políticas públicas de inclusão, tinha ajudado a mudar essa realidade. Exceto os mesmos pastores evangélicos, sim, certeza que são os mesmos de 1989, a Sé, estava quase vazia, poucos os miseráveis se via por lá,não que os problemas sociais tivessem sido resolvidos, mas não há dúvida que havia uma melhora considerável.
É fato que desde 2015 não temos governo no Brasil, Dilma foi inviabilizada politicamente desde o dia em que foi reeleita. Para piorar ela entregou a condução da economia aos neoliberais e a desastrosa gestão de Levy preparou o terreno para os exterminadores do futuro: Temer-Serra-Meireles e o velho PSDB em peso novamente no governo central.
A conturbada reeleição e a impossibilidade de governar de Dilma, sofrendo o golpe de estado, teve reflexo quase imediato, lembro que em 2016 já era crescente a quantidade de pessoas dormindo nas galerias do metrô e do lado de fora da Praça da Sé. O que chamava atenção era que esses tinham celulares, roupas, mobília, o que mostrava que tinham sido expulsos recentemente de suas moradias e/ou empregos.
Ontem tive uma experiência das mais radical e triste, andei pela Sé e o que vi é uma volta a 1990/91, miséria ganhou corpo e números impressionantes, ali as pessoas sentadas nas muretas do metrô ou no chão com olhares perdidos se para o céu ou para terra, envergonhados, a sujeira e as roupas maltrapilhas, já não se vê mais nem o sinal daqueles últimos bens levados para rua.
O Golpe “deu certo”, pensei, trouxe o Brasil voltou para seu lugar, para seu destino miserável. Pensei mais, de que parte daquelas almas devem ter gritado “fora Dilma”, engrossado o coro e as massas verde-amarelas da Paulista. O que me deixa o sentimento mais confuso.
O que vejo nas ruas e avenidas da cidade é um amontoado de famílias que até um ano atrás ainda tinha um teto, geralmente alugado, pago com a soma de ganhos de pais, avós e filhos. O desemprego galopante e o corte de milhões de pessoas que recebiam Bolsa-família e outros benefícios sociais, as expulsou de suas casas.
Embaixo de viadutos, que antes tinha pequenos contingentes de sem teto, hoje se avolumam dezenas de famílias, vivendo em condições insalubres, com barracas sem nenhuma divisória, em que se faz sexo ou as necessidades fisiológicas elementares. Fogões à lenha queimam panelas com ralo feijão e arroz.
Bem feito? Não, não consigo, pois, parte disso teve a ver com a absoluta incompetência de se comunicar dos governos petistas e de ter delegado à Globo e outros aliados midiáticos menores a tarefa de manipular à vontade, sem nenhum contraponto. O “controle remoto” como liberdade se mostrou um desastre.
Aquelas pessoas, com olhares perdidos, ainda têm raiva do PT, nem acreditam que foram vítimas de um golpe contra si, não contra o PT. A tristeza de passar ali, como tenho feito nesses quase 10 meses em que fui expulso do meu antigo emprego. Ainda tenho a sorte de tentar recomeçar do ZERO, ser advogado de alguém ou de alguns, mas e aquelas almas desvalidas?
No máximo ouviram os berros de um pastor voraz por sua alma e seus últimos centavos. O Brasil que ousava “dar certo”, se foi na batida do malhete de um juiz qualquer.
FIM?