“Não é possível conhecer perfeitamente
um homem e o que vai no fundo de sua alma,
seus sentimentos e seus pensamentos mesmos,
antes de o vermos no exercício do poder,
senhor das leis” (Antígona – Sófocles)
No começo dos anos de 1990, Ryu Murakami, fez um filme espetacular, Tóquio em Decadência (Topâzu), em que retrata uma Tóquio em queda, completamente diferente da idealizada no ocidente. O mito de um Japão de tecnologia, glória, disciplina e inovação, na verdade escondia uma sociedade próxima à decadência total, ou melhor, o esgotamento econômico, com amplos reflexos políticos e sociais é o pano de fundo. Apesar do filme ser tão real e cruel foi confundido como um clássico pornô, infelizmente.
A questão da sociedade ultramoderna japonesa e sua tendência à barbárie, logo me veio à mente ao ler a entrevista/verdade do Ministro do STF, Gilmar Mendes, na Folha de São Paulo de hoje (24/10/2016), em que faz um duro diagnóstico do Estado brasileiro das relações políticas entre os três poderes, obviamente as pancadas maiores são destinadas ao judiciário e ao Ministério Público.
Antecipo que só li verdades nas palavras do ministro (eis a íntegra: Lava Jato é usada para fortalecer privilégios, diz Gilmar Mendes). Aliás, deixo claro também que não nutro nenhuma simpatia política ou jurídica por ele, mas que compreendo se tratar de uma figura de proa e das mais atuante (central) no momento do golpe e da rápida e crescente decadência política do Brasil, posso afirmar: Maquiavel, perde.
A entrevista furibunda destrói a lava jato, ataca o oportunismo corporativista do Ministério Público e passa carão nos juízes em geral, que se aproveitam da situação para encenar um moralismo fora de ordem. Toca nas questões essenciais do estado, nos desmandos, nas ações pouco republicanas como a questão das viagens de executiva do MP, ao mesmo tempo em que escandalizam a corrupção.
A pergunta que me vem é sempre a mesma: Mas logo ele? Com decisões tão parciais, políticas e afinadas com o PSDB, por que ele está a fazer um diagnóstico tão cáustico ao seus pares de judiciário? Ou ele tem muito, mas muito poder mesmo, a ponto de enquadrar geral, ou foi uma jogada de alto risco para intimidar seus desafetos. Literalmente “chutou o pau da barraca” ao nomear pessoas e fatos e seus interesses corporativos, as indecências e o caráter oportunista da Lava jato e das 10 medidas.
Ele foi para o confronto e escancarou as ações e os interesses dos grupos que combatem a “corrupção” alheia, dita de forma direta. Bateu como Tyson (aos 20 anos), parece que não teme ninguém que atravesse seu caminho, o verdadeiro homem de Poder de Estado, que usa de um discurso duro e se impôs como um pessoa iluminada, nesse momento de sombras.
Numa conjuntura cada vez mais agravada pela crise política, processo mal ajambrado de um impeachment sem crime, uma presidência exercida por um figurante de quinta categoria, que por mero acaso flanava em Tóquio no instante em que seu parceiro golpe foi preso. Desabalou-se do Japão para vir ao Brasil com medo do que pode acontecer em breve.
Aparentemente, hoje, somente Gilmar Mendes sabe exatamente o cenário que se desenhará no Brasil, em janeiro de 2017, tem inclusive sob sua batuta no TSE a decisão mais importante (cassar a chapa Dilma-Temer) em que pode fulminar Temer do governo com um só despacho. O que abriria a possibilidade de uma eleição indireta, realmente não parece pouco.
Nessa terra tão decadente de homens de pouca coragem ele brilha acima de qualquer um, mais ainda sobre os seus pares do murcho STF, poder tão diminuído por sua inércia diante da fraude do Congresso e do temor a um juizinho de primeira instância que impôs tantas derrotas ao supremo. O que percebemo é que somente Gilmar pode lhe fazer frente, sem medo.
No fundo Gilmar Mendes representa o velho Estado, com a ideologia neoliberal rediviva pós-2008 e que vai resistir às “invasões bárbaras” do Tea Party brasileiro, do ultraliberalismo, parido pelas jornadas de junho e transformado em farsa pela Lava Jato.
A ficção e a ficção da realidade se encontram aqui, nesse simulacro de Democracia e do fim do Estado de Direito, o Estado de Exceção (que denomino de Estado Gotham City) avança incólume. O que mais uma vez faz coincidir com a Tóquio em decadência, do século passado, pois lá, como aqui, também não existe nem Democracia e nem Direto, tal como concebemos.
Tristes tempos.
Só faltou detonar a parte mais podre da triste realidade brasileira atual, a grande imprensa, patrocinadora, incentivadora e mantenedora do golpe que tenta instituir a nova ditadura no país. Uma imprensa covarde, que estimula o preconceito, a intolerância e a perseguição de natureza política, em defesa dos interesses espúrios das camadas mais conservadoras da sociedade.