“O coração lhe abrasa: vê no espelho
Das águas exprimida bela imagem,
E o mesmo vê-la foi, que logo amá-la,
Julgando corpo ser, o que era Sombra.
De si mesmo se espanta, e fica imóvel,
Revendo-se em si próprio, qual estátua
Em mármore de Paros esculpida”. (Metamorfoses – Ovídio)
Por várias vezes tentamos pensar sobre a natureza humana e suas múltiplas possibilidades, encantos e assombros. E no final, separados, homens e demônios, bem e mal, sobrará apenas o lado terrivelmente humano de cada um de nós, nem mais, nem menos.
Porque, no fundo, somos a soma de acertos e erros; virtudes e vícios; inteligência e bestialidade. Temos a imensa liberdade de escolher, consciente ou inconscientemente, qual o melhor caminho.
O que procuramos na vida é domar nossos ímpetos, nossos desassossegos, nossa alma selvagem que teimamos em aprisionar nos valores sociais vigentes, de cada época, dos costumes nobres ou maus. Libertado os espíritos de nossa natureza, o que seríamos?
A reflexão recairá sobre mim, como me vejo e na minha trajetória, até aqui.
Dos muitos sonhos de infância e da juventude, muitos continuam como sonhos, outros sonhos vieram para me manter vivo, pois não acredito em ninguém que não tenha sonhos, mesmo no extremo do viver, existe sonho, que é o maior alimento da alma, do ser humano.
O olhar no espelho continua a me assustar, o que é bom, quando ele não me assustar é sinal que fui vencido por ele, pois não poderei mudar mais nada em mim.
Por muitas mudanças fui experimentando, por exemplo, cansado de muito ler, resolvi escrever um blog e intervir em redes sociais, tentando ser o que sempre fui, um careta, ou melhor, o ser básico, que volta a aparecer, pois quem me ler sabe da imensa previsibilidade, nada será diferente, nem adianta pensar em “causar”, simplesmente não acontecerá.
Aqui é tudo muito simples, errado (certo, bem raramente), direto, sem “novidades, novas”, até o marxismo é o tradicional, sem maneirismo, experimentações, variações ou combinações heterodoxas. É Marx e um pouco de Lênin, nada demais, arroubos, viagens na maionese, os textos surgem e se publica sem grandes expectativas, afinal quem quer saber de coerência, valores, categorias filosóficas e cartesianismo?
Dou-me o direito de voar, mas ultimamente procuro a segurança dos pensamentos lógicos, concretos, sem, entretanto, deixar de ousar na irresponsabilidade do novo pensar, para romper os meus próprios grilhões, os mesmos de Prometeu. Para sentir a maravilhosa sensação de que não vou me adaptar, nunca, pois é da nossa natureza, metamorfosear.
A imagem se completa, muitas vezes apenas uma sombra, mas o espelho não mente, nós, sim.
Seether – Careless Whisper
https://www.youtube.com/watch?v=cO5S993KSao