“Ouso ao mundo lançar-me: aos bens e aos males;
Arcar com temporais; sentir sem medo
O estrondo de um naufrágio” ( Fausto – Goethe)
A mais longa e vitoriosa direção política de esquerda no Brasil está fechando seu ciclo histórico, quebrada por um duro golpe, não por uma derrota eleitoral, ou sindical, mas muito mais forte, uma bem urdida e articulada trama politica-jurídica, que destrói não apenas ela, a direção, mas a Democracia como espaço de disputa e ameaça a Política como elemento fundamental de vivência social organizada.
Essa direção em queda, foi forjada na luta contra a Ditadura, dos escombros dos grupos dizimados pela repressão, surgiu um ousado grupo de novos lutadores, fundamentalmente no seio sindical, que construiu oposições sindicais, tomou os principais sindicatos das mãos dos pelegos, fundou a CUT, o PT. Aliado aos artistas, estudantes, intelectuais, os trabalhadores derrotaram os milicos, nos começo dos anos de 1980.
Essa direção, capitaneada pelo PT, teve participação decisiva no processo de redemocratização do Brasil. Durante a constituinte, mesmo em ínfima minoria, trouxe os trabalhadores para o centro dos debates e incluiu pontos fundamentais na Constituição. Estes quadros, temperados na luta, chegou à Presidência com um dos seus melhores nomes, Lula, o primeiro presidente vindo do povão sofrido e trabalhador, sem a educação formal. A trajetória de mais vinte cinco anos foi coroada com a vitória eleitoral de 2002.
O auge desse grupo dirigente, também marca o início de seu declínio, a feroz disputa política traz vitórias históricas, mas também acomodações, facilidades do aparelho de Estado (sindicais, partidárias e governamentais). A luta de classes cobra um alto preço, toda esta geração de dirigentes do PT e de seus aliados, começando por Lula, jamais será perdoada por ter ousado governar o Brasil.
Suas vidas seriam e serão escrutinadas para sempre, o pecado de ter desafiado o poder tradicional, não será engolido, nisto se insere a questão do “mensalão”. Sem minimizar os fatos ocorridos, o PT (em especial) aceitou o jogo eleitoral como ele é, com caixa dois, sobras de campanhas e montagem de base parlamentar, senão não se ganha eleições e, principalmente, não se governa. Usaram-se as armas para se vencer e governar, nada diferente dos outros 100% governos eleitos em qualquer época, mas o peso de nossos discursos moralistas e contradições, jamais serão esquecidos e cobrados.
Porém, sem entender estas questões vamos fica eternamente na condenação moral, jamais chegaremos ao essencial, que é mudar a lógica de se fazer política no Brasil, mas não apenas aqui, é uma lógica do Kapital, que se reflete em todas as eleições no mundo, quer seja aqui, nas eleições dos EUA ou agora na Alemanha de Merkel.
Desprezar estes dados da realidade, em verdade, é abandonar a arena política, assim como fizeram os “indignados” espanhóis, por exemplo, que se negaram a participar do processo eleitoral, acabou por entregar o governo à Direita com uma maioria esmagadora. O governo fraco, corrupto, entreguista e de desmonte do Estado de bem-estar social permaneceu no poder por quatro anos. As lutas se dão em todas as cenas, não somos nós que escolhemos o cenário, muito menos as armas.
A rapidez com que o golpe de estado avançou pode impressionar a maioria, entretanto, os mais atentos devem ter percebido que a mudança de humor, desde junho 2013, representava uma virada histórica que se avizinhava. Aqueles velhos quadros não souberam lidar com o fenômeno insurgente, esquecendo que de igual proporção já havia varrido o Egito, Tunísia, Espanha, Ucrânia, além dos golpes no Paraguai e Honduras, como também a situação de extremo impasse na Venezuela e Argentina.
O esgotamento político era evidente, que nem mesmo a última lufada de ar, a vitória de 2014, pode esconder o quadro de desagregação e falta de perspectiva de enfrentamento ao golpe que avançava a olhos nus. Os golpistas tramavam e destruíam a imagem das principais lideranças, em processos eivados de ilegalidades, com um tribunal de exceção comandado por juiz de primeiro grau, sem que houvesse nenhuma reação.
O Impeachment sem crime é apenas o escracho, escárnio último, como uma pá de cal. Esse medíocre governo golpista pode ser substituído por um mais forte que consolidará o Estado de Exceção, que nos abraça.
É fato que não podemos nos iludir de que haverá qualquer ação coordenada de defesa, tudo se transformou rapidamente, sobram as ações reflexas e heroicas de coletivos que surgiram nesse período e que dão combate, à medida de suas forças, ao golpe.
Uma resistência ainda incipiente, mas fundamental para o momento. Em artigo recente, A Saída de Esquerda e O Fim do Messianismo, aponto para essa perspectiva, não podemos ficar esperando pelos que não virão mais, pois estão alquebrados, cuidando de “seu luto”, se refazendo como cidadãos.
Penso que passou da hora de acreditarmos nos esforços coletivos, sem grandes líderes ou gurus, mas nas pessoas comuns, na soma de inteligências, que com a ajuda da rápida comunicação via redes, nos aproxima e pode nos fortificar.
É apostar no novo, nos coletivos, nas frentes, nas diversidades, ou ficar nas lamentações e/ou eternos balanços, que jamais se chegará a um concesso ou a uma unidade para enfrentar a dura realidade.
Verdade, continuar chorando pelos cantos de nada adianta…