“Donde trovões profundos rugem, bramam
Parecendo no Céu do Inferno a imagem?
Se pode ele imitar as trevas nossas,
Imitar sua luz nós não podemos?!” ( Paraíso Perdido – John Milton)
Em nenhum momento se comemora um prognóstico certo, sendo ele tão funesto, como o de ontem. Por várias vezes, disse que Cunha iria passar o trator sobre nós, não para ter razão em debate, mas por conhecer o estilo dessa figura repugnante. Mas a derrota de ontem, não tem a ver com o ato da votação, quase simbólica, com 367 votos arregimentados pelo Feitor do Kapital, Eduardo Cunha, tudo remonta às jornadas de junho de 2013, ali se abriu a “Caixa de Pandora”.
Por volta de julho de 2013, após as “jornadas de junho”, uma onda de extremo pessimismo se irradiou pelo Brasil, ou quem sabe se generalizou publicamente aquilo que se dizia em pequenos grupos. A volta de sentimento de derrotados que muitas vezes assaca os privilegiados, os bem-nascidos do Brasil, um complexo de inferioridade sobre nós diante de tudo, é uma ressaca moral que contamina a todos, vem de cima e vai se espalhando pelo país.
Várias desgraças foram prometidas e previstas, em especial para 2014, era como uma sentença que iria se cumprir em breve, lógico que a maior se referia a realização do maior evento esportivo mundial, a Copa do Mundo de Futebol da FIFA, esta famigerada entidade que fomentou o sentimento de desastre para pressionar o governo a ter mais privilégios e a ficar com mais dinheiro da copa. A única e grande decepção foi o desastre, este sim, não previsto por ninguém, da Seleção Brasileira, que jogou um péssimo futebol, parecia que o boicote à copa vinha mesmo era da CBF. Mesmo passando de fase em fase, o Brasil não empolgava, sempre com extrema dificuldade, um excesso de tensão, medo, descontrole emocional, o que acabou no terrível jogo dos 7 x 1, aquele que marcará para sempre o futebol brasileiro, pois perder para Alemanha, sem o Neymar, parecia certo, mas ser HUMILHADO, nem os alemães esperavam.
Em certa medida, a triste derrota ressuscitou o clima vira-lata anterior à copa.
O segundo semestre de 2014 prometia um novo desastre, uma nova ida à forra dos coxinhas e revoltados de ocasião, as eleições representaria o “fim do PT”, com os cartazes neofascistas grudados em carrões, pelo menos aqui em São Paulo, de um tal “Fora Dillma, leva o PT junto”. Uma campanha sórdida de desqualificação não apenas do governo, mas principalmente do Brasil, urdida desde fora, assim como acontecera na Ucrânia um pouco antes. Até um ensaio de que “não vai ter eleições”, alguns tentaram puxar de forma irresponsável.
É evidente que a Crise 2.0 se instalou de forma desigual no Brasil, depois de destruir economias no mundo todo, mas teve seus efeitos malignos em especial nos últimos quatro anos, ao contrário do anedotário de que tudo seria “culpa da Dilma”, as coisas vinham se avolumando desde 2008, quando o Brasil fez a opção correta de enfrentar a Crise com todos os instrumentos possíveis, inclusive abrindo as burras do Estado, aliás, ele serve para isto mesmo, não apenas para alimentar o Kapital.
Vencemos a mais dura das eleições, aos quinze minutos da prorrogação, mas o adversário não reconheceu a derrota e apelou para o terceiro turno. Ao mesmo tempo em que se elegeu um congresso extremamente conservador, reacionário, estúpido. Essa excrecência pudica que abala o congresso, que se reflete na sociedade, logo se revelou no todo com o tal “Estatuto da Família”, ou no projeto que dificultou e criminalizou ainda mais o aborto, inclusive aquele fruto da prática da violência sexual e estupro. O que me parece é que, no fundo, é o velho pecador querendo esconder seus “Pecados“. São as trevas da idade média que estão escurecendo o mundo, em pleno Século XXI. Há um contexto e um ritual macabro sendo ensaiado no planeta, o Brasil não ficaria fora, dessa turnê do atraso.
Uma coalizão de oportunistas políticos que se somou aos fanáticos religiosos, em especial os pentecostais, numa reprodução canhestra da Direita Religiosa dos EUA, em terras locais, hoje domina o parlamente. Os versos de liberdade do poeta, parecem esquecidos, afinal “Não existe pecado do lado de baixo do Equador”, mas um novo moralismo quer se impor, aproveitando-se das condições políticas e do momento conturbado da conjuntura local.
Durante os dezoito meses seguintes, depois das eleições, a caça ao PT foi implacável. A situação da economia teve uma sensível piora, com a Petrobrás (cerca de 12% do PIB) sendo empastelada pela Lava Jato, junto com as empreiteiras. O PIB teve uma acentuada queda, colocando para mais distante a recuperação, o clima de que não havia mais condição de governar o país, foi se alastrando perigosamente.
O Golpe final foi dado por Cunha, um sujeito mais “sujo do que pau de galinheiro”, com longo histórico de corrupção, jamais punido, ironicamente virou o homem do “combate à corrupção”. Ele assumiu o comando de uma máquina terrível com uma bancada particular imensa, o baixo clero finalmente tem uma liderança forte, as consequências desse poder ilimitado vai assombrar a democracia e o Estado de Direito. A hora é de levantar a cabeça e olhar para frente, organizar a resistência, a democracia sofreu um duro golpe, mas não é definitivo.
Para fechar a tragédia, após a votação final, Cunha foi saudado como herói pelos coxinhas de verde-amarelo, camisas STF.
A Alemanha marcou mais um gol, nesse placar imaginário.