Arnobio Rocha Mitologia Hermes Trismegisto

1275: Hermes Trismegisto


Hermes Trismegisto - (Adolf Hirémy-Hirschl, The Souls of Acheron (1898))

Hermes Trismegisto – (Adolf Hirémy-Hirschl, The Souls of Acheron (1898))

“Hermes, tua mais agradável tarefa é ser

o companheiro do homem; ouves a quem estimas”. (Ilíada – Homero)

“Tu, mensageiro do deus, profeta do lógos para os mortais”… (Hino Órfico)

Por muitos anos adiei esse post sobre Hermes Trismegisto (três vezes grande), por sempre achar que minha visão sobre o mito é incompleta, que as dezenas de citações não ajudariam a tornar mais palpável, a complexidade de cada mito, que fui conhecendo durante as últimas duas décadas de estudos de mitologia, sempre me levou a certa lógica e coerência sobre cada um, exceto Hermes, mesmo estudando continuo no vácuo. Essa é a razão de adiar, mas tentarei, em partes, levar uma visão dele. Inspirado pelo alquímico Led Zeppelin, e, claro, nas lições do mestre Junito de Souza Brandão, vamos ao combate.

Hermes, do gegro Ερμής (Hermês), coluna, pilar ou apoio, como demonstra várias imagens do deus como o orientador dos caminhos e das encruzilhadas. A primeira ideia é de um deus que protege os caminhos e é amigo dos homens e dos viajantes, aqui a viagem pode ser da alma ou mesmo lúdica. Dentre os muitos caminhos, Hermes, com o caduceu, leva os homens à sua última viagem, conduz as almas ao Infernum, entregando-as ao barqueiro Caronte.

Filho de Zeus e Maia, a mais jovem das Plêiades ( Filhas de Atlas e Plêione, eram sete irmãs: Taígeta, Electra, Alcione, Astérope, Celene, Mérope e Maia). O simbolismo primeiro se refere de imediato ao dia do seu nascimento, quatro, que será sua marca e identidade. A precocidade é sua marca, e a imensa astúcia, segundo Junito, “No mesmo dia em que veio à luz, desligou-se das faixas, demonstração clara de seu poder de ligar e desligar (a ordem de Jesus a Pedro sobre sua igreja). Então viajou até a Tessália, onde furtou uma parte do rebanho de Admeto, que era protegido por Apolo”. Ele amarrou folhas no rabo do rebanho para apagar os seus rastros, pois conduziu o rebanho por quase toda a Grécia.

Ao final da jornada iniciática, tomou as duas melhores vacas e as sacrificou aos deuses, dividindo-as em doze partes, porém, até então, só tinha lugar no Olimpo onze deuses, o infante, demonstrou que ele era o décimo segundo. Apolo logo descobriu a façanha e exigiu punição. Primeiro a Maia, que se recusou a acreditar que o bebê fosse capaz. Apolo vai diretamente a Zeus, esse vai conversar com o pequeno peralta, que nega peremptoriamente qualquer responsabilidade. Zeus percebe a mentira, mas promete não lhe punir, desde que não falte mais com a verdade “Hermes concordou, acrescentando, porém, que não estaria obrigado a dizer a verdade por inteiro”. O dom divinatório se revela em não contar toda a verdade.

É uma divindade com muitas atribuições, a original era de deus agrário, trazido da Ásia para a Grécia, nela cresceu ainda mais suas funções algumas de caráter negativo, como o deus da astúcia, dos ardis, das trapaças e dos ladrões, porém contraditoriamente é também visto como o companheiro, o amigo e protetor dos comerciantes. Junito diz que, Hermes era “Protetor dos viajantes, é o deus das estradas. Guardião dos caminhos, cada transeunte lançava uma pedra, formando um hérmaion, isto é, literalmente, “lucro inesperado, descoberta feliz” proporcionados por Hermes: assim, para se agradecerem ou para se obterem bons lucros, formavam-se, em honra do deus, verdadeiros montes de pedra à beira da estrada”. O que pode significar “que uma pedra lançada sobre um monte de outras pedras simboliza a união do crente com o deus ao qual as mesmas são consagradas, pois que na pedra está a força, a perpetuidade e a presença do divino”.

Além disso, nos ensina Junito, “Para os gregos, todavia, Hermes regia as estradas, porque andava com incrível velocidade, pelo fato de usar sandálias de ouro, e, se não se perdia na noite, era porque, “dominando as trevas”, conhecia perfeitamente o roteiro. Com a rapidez que lhe emprestavam suas sandálias divinas e com o domínio dos três níveis, tornou-se o mensageiro predileto dos deuses, sobretudo de seu pai Zeus e do casal ctônio, Hades e Perséfone. De outro lado, conhecedor dos caminhos e de suas encruzilhadas, não se perdendo nas trevas e sobretudo podendo circular livremente nos três níveis, o filho de Maia acabou por ser um deus psicopompo, quer dizer, um condutor de almas, tanto do nível telúrico para o ctônio quanto deste para aquele: numa variante do mito, foi ele quem trouxe do Hades para a luz a Perséfone e Eurídice; na tragédia de Ésquilo, Os Persas, 629, guiou, para curtos instantes na terra, a alma do rei Dario”.

Para Mircea Eliade são as faculdades “espirituais” do deus psicopompo que lhe explicam as relações com as almas: “Pois a sua astúcia e a sua inteligência prática, a sua inventibilidade (…), o seu poder de tornar-se invisível e de viajar por toda parte em um piscar de olhos, já anunciam os prestígios da sabedoria, principalmente o domínio das ciências ocultas, que se tornarão mais tarde, na época helenística, as qualidades específicas desse deus”. Junito complementa a ideia: Está com a razão o sábio romeno, pois aquele que domina as trevas e os três níveis, guiando as almas dos mortos, não opera apenas com a astúcia e a inteligência, mas antes com a gnose e a magia”.

Hermes se transformará no emissário dos deuses, das suas vontades e das ordens do Olimpo, em especial de Zeus, Pai. Junito nos fornece uma série de missões cumpridas por Hermes de pés alados. Como segue: “Após o dilúvio, foi o portador da palavra divina a Deucalião, para anunciar que Zeus estava pronto a conceder-lhe a satisfação de um desejo. Por intermédio dele, o consumado músico Anfião recebeu a lira, Héracles a espada, Perseu o capacete de Hades. Após insistente súplica de Atená a seu pai Zeus, foi ele o enviado à bela Calipso, com ordens para que permitisse a partida de Ulisses, há sete anos prisioneiro da paixão da ninfa da ilha Ogígia. Foi quem adormeceu e matou Argos, o gigante de cem olhos, colocado pela ciumenta Hera como guardião da vaca Io. Levou ao monte Ida, na Frígia, as três deusas, Hera, Atená e Afrodite, para que o pastor Páris fosse o árbitro na magna querela provocada por Éris, acerca da mais bela das imortais. Por ordem expressa de Zeus, cumpriu a ingrata missão de levar a Prometeu, aguilhoado a uma penedia, o ultimatum, para que revelasse o grande segredo que tanto preocupava o pai dos deuses e dos homens. Conduziu o pequeno Dioniso de asilo em asilo, primeiro para a corte de Átamas e depois para o monte Nisa. A ele coube, igualmente, a gratíssima tarefa de conduzir Psiqué para o Olimpo, a fim de que se casasse com Eros”.

Hermes, portanto, se fará presente em muitos momentos da mitologia, cumprindo papéis aparentemente secundários, mas fundamentais ao seu enredo. Para além dessas tarefas, Hermes será profundamente marcado como o mestre das artes ocultas.  “Os seus atributos primordiais — astúcia e inventividade, domínio sobre as trevas, interesse pela atividade dos homens, psicopompia — serão continuamente reinterpretados e acabarão por fazer de Hermes uma figura cada vez mais complexa, ao mesmo tempo que Hermes civilizador, patrono da ciência e imagem exemplar das gnoses ocultas”.(JSB)

Será visto ainda como o sábio, o judicioso, o tipo inteligente do grego refletido, o próprio Lógos. Hermes é o que sabe e, por isso mesmo, aquele que transmite toda ciência secreta. Não sendo apenas um olímpico, mas igualmente ou, sobretudo, um “companheiro do homem”. Junito cita que “no Papiro de Paris, o deus de Cilene é chamado, por esse motivo, “o guia de todos os magos” (pánton mágon arkheguétes). Através do livro de Lúcio Apuleio sobre a bruxaria (De Magia, 31), ficamos sabendo que o feiticeiro o invoca nas cerimônias como aquele que transmite conhecimentos mágicos: Solebat aduocarí ad magorum cerimonias Mercurius carminum uector — “Mercúrio (nome latino de Hermes) costumava ser invocado nas cerimônias dos magos como transmissor de fórmulas mágicas”.

De posse do caduceu, que fora de Apolo, trocado pela primeira lira, Hermes será o condutor das almas, tanto na luz, quanto nas trevas. Esse poder abrirá uma série de novos atributos que serão encorpados ao mito original, em especial, a questão alquímica, que merecerá um capítulo a mais, em outro artigo, devido à longa e complexa exposição. Prometo (não sei se cumprirei) a fazê-lo noutro momento.

O filho mais famoso de Hermes seria com Afrodite, Hermafordito, para Junito, o jovem “foi criado pelas Ninfas nas florestas do monte Ida, na Frígia, e era dotado de uma beleza tão grande como a de Narciso. Aos quinze anos pôs-se a percorrer o mundo. Viajando pela Ásia Menor, encontrou-se um dia, na Cária, às margens de um lago, habitado pela Ninfa Sálmacis, que por ele se apaixonou violentamente. Repelida pelo jovem, fingiu conformar-se, mas, quando Hermafrodito se despiu e se lançou às águas do lago, Sálmacis o enlaçou fortemente e pediu aos deuses que, para sempre, lhes unissem os dois corpos em um só. Os imortais ouviram-lhe a súplica e, assim, surgiu um novo ser, de dupla natureza. Por seu lado, Hermafrodito implorou aos deuses, e estes o atenderam, que todo aquele que se banhasse no lago da Ninfa Sálmacis perdesse a virilidade. O mito de Hermafrodito não passa, na realidade, de mera repetição ou recapitulação do andrógino primordial, ou seja, o Rebis“. Tratando-se, portanto, ser o Andrógino original, revisitado.

Quanto à imagem clássica de Hermes, apresenta-nos com um chapéu de formato especial, o pétaso; com sandálias providas de asas e segurando um caduceu com duas serpentes entrelaçadas na parte superior. O chapéu representa determinadas prerrogativas e sinal de autoridade. Seu simbolismo, como o da coroa, é o poder e a soberania. “Cobrindo a cabeça, sede da psiqué e da inteligência, o chapéu é um símbolo de identificação. Segundo Jung, trocar de chapéu é trocar de idéias, ter uma outra visão do mundo”. (JSB).

As sandálias aladas separam a terra do corpo pesado e vivente, há três níveis pelos quais Hermes pode transitar. Junito nos ajuda explicando ainda que, para “os antigos taoístas as sandálias eram o substituto do corpo dos imortais e seu meio de deslocamento no espaço: homens com solas de vento, suas sandálias eram aladas. Instrumentos de imortalidade, símbolos até mesmo de elixir da vida, compreende-se que tais acessórios fossem muitas vezes fabricados por imortais-sapateiros. As sandálias aladas, para Hermes e Perseu, são um símbolo de elevação mística e, para o filho de Maia particularmente, configuram o domínio dos três níveis”. (JSB)

Por fim o Caduceu, com as duas serpentes, ele significa o equilíbrio, aquele conduz as oposições e se mantém no centro. As duas serpentes, o dia e a noite, complexio oppositorum, da união dos contrários, “o caduceu serve de equilíbrio aos dois aspectos do símbolo da serpente, a direita e a esquerda, o diurno e o noturno, uma vez que esse réptil ctônio possui duplo aspecto simbólico: um benéfico, outro maléfico, cujo antagonismo e equilíbrio são representados pelo caduceu. Este equilíbrio e esta polaridade estão bem claros nas correntes cósmicas, configuradas pela dupla espiralO mito do caduceu se reporta não só ao Caos primordial, em que duas serpentes entram em luta, mas ainda à sua polarização, momento em que Hermes as separa”.(JSB)

Ainda há muito a se falar, fiquemos por aqui, com uma última citação de Junito sobre a importância do Deus. “Hermes Trismegisto foi um deus tão importante, que, em Listra, a multidão, ao ver um milagre de Paulo, tomou-o por Hermes e gritou entusiasmada, pensando estar diante de deuses, de Paulo e de Barnabé, sob forma humana, e isto porque Paulo parecia ser aquele (Hermes), ho hegúmenos tû lógu, “aquele que lhes dirigia a palavra” (At 14,11-12). Naquele dia, o grande apóstolo, em companhia de Barnabé, deve ter convertido a muitos, que certamente compreenderam que Paulo não era Hermes, nem tampouco o Lógos, mas um simples instrumento do único e verdadeiro Lógos”.

Vejam a capa interna do Led Zeppelin IV e percebam a quantidade de simbolismo e de Hermes em suas composições alquímicas, apenas com eles pude fazer essa pequena viagem. Ouçamos as mais significativas músicas desse glorioso álbum.

Led Zeppelin – Stairway to heaven

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=qw8j3IMM5Hk[/youtube]

Going to California – Led Zeppelin

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=9UKCqqb_2_c[/youtube]

 Save as PDF

Deixe uma resposta

Related Post