Tenho visto quase todos os filmes, documentários e séries em que o tema central seja a “Crise de 2008”, até por ter escrito um livro sobre a questão da crise, essas obras ajudam a entender um pouco da mente americana, em especial a chamada classe média, fim último de Hollywood e afins. Aqui no blog resenhei alguns deles, como “Grandes demais para quebrar” (Too Big to Fail) e “Trabalho Interno” (Inside Job) (Crise 2.0: Filmes), Crise 2.0: Catastroika – Austeridade Desnudada e O Homem da Máfia, entre outros.
Quanto mais distante dos fatos, melhores são as produções e as riquezas (sórdidas) de detalhes (sórdidos). Aos 45 minutos do segundo tempo, ontem, fui ao cinema ver “A Grande Aposta” (The Big Short, roteiro e direção de Adam Mckay), sem dúvida, valeu cada segundo. Uma mistura de comédia, drama e documentário, de uma das histórias mais trágicas produzida pelo Kapital.
O ângulo desse novo filme é diferente, invertido, pois se tratava de uma aposta contrária ao sistema, de que o “free market” iria explodir no coração de Wall Street. Em março de 2005, numa pequena corretora, o excêntrico Michael Burry, interpretação fantástica de Christian Bale, pede aos seus funcionários um relatório mostrando quais os principais fundos e quais as suas bases de sustentações (hipotecas). Ele percebe que a quebra vai esfacelar o sistema como um todo, então resolve “apostar” na “doença”, não na pretensa “saúde” do mercado.
O consistente estudo e a consequente compra dos títulos podres, em garantia, são levados na gozação, os grandes bancos riram das opções de compras idealizadas por Burry, pois ela se baseava não no lucro das hipotecas, subprimes, ações tóxicas e recicladas, mas exatamente no contrário, no dia que quebrasse, ele ganharia numa incrível proporção de até 20 por 1. Pelo modelo de Burry, em menos de dois anos, no primeiro trimestre de 2007, começaria a imensa quebradeira. Todos riram dele, afinal o “free market” se autorregula.
Numa corretora média, Mark Baum (Steve Carell, esqueça qualquer coisa feita por ele antes) um respeitado corretor associado ao banco Morgan Stanley. Baum vivia uma crise existencial, que foi agravada com a morte (suicídio) de seu irmão, se encontrava pessimista com tudo. Ele e sua equipe recebem a visita de Jared Vennett (Ryan Gosling), um corretor-abutre, ambicioso que teve acesso aos estudos de Burry e resolveu apostar na mesma ideia, mas como não tinha cacife, saiu procurando quem bancasse a aventura.
O desconfiado Baum, põe seus homens a campo para pesquisar os fundamentos da ruína das hipotecas, o cenário é muito mais assustador do que pensado, ele tem a certeza que o “mundo vai acabar em breve”.
Os minúsculos corretores, Charlie (John Magaro) e Jamie (Finn Wittrock), administram um pequeno fundo, mas sem crédito para crescer, pois os grandes bancos mantinham corretoras grandes e médias, uma espécie de terceirização de Wall Street, não aceitavam nerds sem dinheiro. Os dois conseguem convencer um ex-guru de Wall Street, Ben Rickert (Brad Pitt), a ajudá-los na aventura de apostar contra o sistema.
A complexa história, com a nomenclatura ainda mais complexa (Prime, SubPrime, CDS, CDO), toda a sorte de enrolação que é feita pelo “free market” para enganar bilhões de pessoas no mundo, tem a lógica perversa, bem simples: Pegamos seu suado dinheirinho e sabemos de sua ambição de viver o “sonho americano”, apostamos no cassino, se der certo, pagamos um pouco para você, ficamos com o principal.
Depois convencemos a você se tornar mais ambicioso, com promessas ainda mais sedutoras, com riscos mais elevados, mas “só fica rico quem aposta”. Porém, se tudo der errado (eles sabem que vai dar errado), você perde tudo, se não tiver como pagar (você não terá, com certeza), declaramos sua falência, mas ainda, o nosso “inimigo”, o Estado, vai socializar o prejuízo com todos. O “ladrão de impostos” vai abrir os cofres e nos pagar, não a vocês, mas com absoluta certeza, apresentará novas taxas para cobrir a quebra.
Poucas vezes a imoralidade geral e irrestrita do “free market” foi tão bem representada no cinema, claro que se você nos lê a mais tempo, lembrará o quanto denunciamos as fraudes patrocinadas pelos bancos, com certificado da “agências de riscos”, que vendiam a credibilidade dos triplos A, como se fosse mais um produto de um supermercado. Obviamente com a pronta conivência do FED, BCE ou qualquer Banco Central e suas SECs, CVMs da vida.
Um filmaço, merece ser visto e revisto detalhadamente. Cada vez mais gosto do meu livro, Crise 2.0: Taxa de Lucro Reloaded, com tão poucos recursos, chegamos a tantas nuances da atual crise, sem falsa modéstia, ao ver o filme, senti uma ponta de orgulho. Atenção, estamos entrando numa outra armadilha, em breve voltarei, se tiver tempo, aos estudos da nova tormenta que se aproxima dos EUA, não se enganem com os maravilhosos números, a superprodução de Kapital já deu seus sinais.
Viva o “Free Market”, aprecie sem moderação.
A Grande Aposta
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Vou ver, adoro sofrer! E repetir a dose de suffering… 🛁🎀🎉🎊🎏🚽🚽🚽🚽🚽