“Ó Deus, ó Deus! Como são enfadonhas, azedas ou rançosas,
Todas as práticas do mundo!
O tédio, ó nojo! Isto é um jardim abandonado,
Cheio de ervas daninhas, Invadido só pelo veneno e o espinho –
Um quintal de aberrações da natureza.
Que tenhamos chegado a isto…” ( Hamlet – W. Shakespeare)
A Crise de superprodução de Kapital tem uma lógica própria, que poucos se dão conta de seu movimento real. Alguns tentam adivinhar seu fim, outros, o seu começo. Mas quase nenhum se preocupa em entender o seu ciclo, ou sua dialética, de que ao mesmo tempo em que é o momento do auge de um ciclo, ele também anuncia seu declínio.
Mais ainda, a queima de Kapital (Empregos, salários e preço das mercadorias) que caracteriza o fundo do poço, é também o início de um novo ciclo, pois, sem a ruptura (a queda do sistema como um todo, a Revolução), a roda da história continuará a girar, a girar, num crescente, jamais com o fim em si mesma, com alguns autores vulgares preconizam. O Kapital não cairá de maduro ou podre, ele sempre se recompõe, seus ciclos podem diminuir dramaticamente, mas não acabam.
Feitas essas observações, cabe à pergunta fundamental: Em que momento do ciclo do Kapital, a economia no Brasil se encontra? A resposta não é simples e direta, vamos construir uma visão.
A Crise de Superprodução de Kapital que atingiu os EUA, em 2005, e depois a Europa, em 2007, já debatida aqui e no meu livro, deu-se quando houve o pleno emprego (ou taxa mínima de desemprego), com o maior pico de salários e do preço das mercadorias, em especial, nos EUA, dos imóveis (hipotecas). A “crise”, só se tornou “pública” com a quebra dos bancos em 2008, nos EUA e 2009, na Europa.
A superabundância de Kapital no mundo, no início dos anos 2000, aportou no Brasil, China, Índia e Rússia, não a toa o bloco dos BRICS foi possível, com forma organizada de receber e aplicar essa parcela do Kapital, vinda para esse lado como forma de se expandir e extrair mais lucros. Mão de obra farta, barata e possibilidade de grandes obras de infraestrutura, como também as privatizações das empresas locais, já como parte do “lucro”.
Coincidiu com os governos de Lula essa entrada e a expansão do Kapital no Brasil, a despeito das enormes desigualdades regionais, do abismo social e da infraestrutura precária, fruto de um Estado endividado pelos militares, depois semiprivatizados pelos tucanos, além de uma esdrúxula dolarização da economia completamente artificial, mantida com taxas de juros pornográficas (lucros consolidados pelo Kapital Financeiro).
Os primeiros oito anos da aventura petista foram de pleno sucesso, alguma das tarefas mais elementares do Estado, como o combate à fome, garantia de renda mínima, emprego (ainda que de baixa qualidade), foram possíveis graças a essa entrada de Kapital. Mas o ciclo sempre tem seu fim, em meados de 2010, o país tinha situação típica da superprodução: Pleno emprego, salários recompostos (o mínimo que nunca passara de US$ 100, chegou aos 350 dólares), crédito para compra de bens e produtos, uma febre de consumo.
A Crise do Kapital, no seu centro ( EUA e Europa) fechou as torneiras e cobrou a volta à matriz dos investido aqui e nos outros países. Por quatro anos, a nova Presidente tentou domar a economia, usando de instrumentos que já não surtiam efeitos, é fato que evitou uma queda dolorosa e rápida como nos EUA ou na Europa, que o desemprego dobrou em menos de um ano (dados de 2007 para 2008 nos EUA e 2008 para 2009 na UE).
Aqui a queda foi lenta, até pelas condições gerais e custos das empresas com salários não tão altos, mas em 2015 veio o “ajuste” imposto pelo Kapital. A imposição de Levy e o conjunto de medidas em execução são parte da estratégia do Kapital para retomar o controle total do Estado. O petismo caducou, já não serve, por vias eleitorais perderam, por bem pouco, mas perderam. Entretanto, a via escolhida agora é de mudar o comando, por bem ou por mal.
A Crise econômica efetivamente já tem um novo patamar, a desvalorização do Real, cerca de 40% do seu valor, é a maior queima de Kapital já feita em tão curto espaço de tempo. O desemprego sobe rapidamente, o preço relativo dos salários e das mercadorias também caiu, a condição fundamental para que um novo ciclo se reinicie estão dadas, faltam às condições políticas para azeitar o Kapital.
Do ponto de vista puramente econômico não mais o que ajustar, mas sempre o Kapital tentará impor mais perdas, pois está em pleno ataque, gostemos ou não, a luta de classes é isso. Manda quem tem mais força, resiste quem pode. O governo não tem instrumentos para resistir, entregou o pomo de ouro aos seus algozes, os ministérios da economia e o Banco Central, além de não ter como segurar a política de transferência de rendas.
A resposta para questão geral, a crise não é para sempre, aliás, o Brasil já entrou no novo ciclo, mas os seus reflexos políticos, continuarão imprevisíveis. Efetivamente, o Governo do PT, é, objetivamente, um entrave à liberdade do Kapital. Nesse novo patamar do neoliberalismo redivivo (Estado Gotham City), a democracia é um estorvo, ou um mero detalhe.
Difícil não se tornar pessimista com esse cenário…