O episódio da entrevista do Ney Matogrosso em que fala uma série de barbaridades sobre o Brasil, no mais rasteiro senso comum, não é o primeiro, nem será o último, de uma grande estrela que revolucionou seu tempo, mas que se isolou da vida e do mundo, em particular do Brasil. Parece-me que, Ney, passou a enxergar pelas lentes da velha mídia, sendo incapaz de ver o todo, passa a reproduzir toda sorte de preconceito e muitas inverdades, sem base alguma na realidade, não sendo um problema de má-fé, mas de desinformação mesmo.
Entretanto, isto não inválida a espetacular obra de Ney Matogrosso, sua enorme contribuição à cultura brasileira, o grande artista que foi e que continua sendo. São coisas diferentes, nós que somos fãs dele, sem dúvida, ficamos tristes, até incrédulos, mas devemos deixar circunscrito ao que é realmente, apenas uma desastrada entrevista, um viés de conservadorismo na maturidade do artista, nada mais que isto. Pode ter nos machucado, mas ao lembrar aquele disco maravilhoso com Raphael Rabello (À flor da Pele), ou dos tempos dos Secos e Molhados, até esqueci ou faço questão de não lembrar a tal conversa em Portugal.
Depois pensei se este é o destino comum, de se envelhecer mal, com mau humor e ter uma visão pessimista sobre a vida, as pessoas, o país, o mundo. Há uma série de exemplos tão próximos, em particular no meio artístico, como o Ex-Gabeira, Caetano Veloso, Ferreira Gullar, para ficarmos apenas nos que tenho alguma admiração, independente do que dizem e pensam hoje. O que sempre me pergunto: será que um dia virarei um reacionário assim? A maturidade, ou o conjunto de decepções levam-nos a atravessar à margem do rio?
A tática do “mar de lamas” tão bem usada no passado parece que voltou com força total, até as pessoas mais equilibradas se deixam contaminar com este vale tudo. Incrível que hoje virou um discurso de que nada presta e que tudo no Brasil é uma droga e que as nossas vidas estão piores do que antes, como se a bonança destes últimos anos não tivesse existido, quase nos convencendo que estamos prontos para destruição total, irreversível.
Quando tudo isto ocorreu? Como foi tão bem trabalhando, manipulado? Deixamos nos aprisionar pela loucura dos boçais, dos arautos do caos, simbolizados em figuras cada vez mais idiotas e sem cérebro, mas com eficiente jogo de repetição, que induz a um consenso francamente falso da realidade. Claro que sei de todas as mazelas do Brasil, mas jamais ficarei no chorume, isto não resolve NADA. As redes sociais trouxeram estes exageros, esta dor à flor da pele de forma ampla e irrestrita.
Outro dia fiz um desabafo no Facebook, em que dizia mais ou menos assim: que vida infeliz a de quem passa o dia inteiro procurando coisas para se irritar, em particular buscando coisas ruins sobre o Brasil, como se houvesse uma razão de falar para si mesmo, em tom triunfal – Nada, absolutamente NADA presta neste país. Bem não entendo a razão de tanto ódio, isto lá é vida, cidadania.
Mesmo assim, não passemos a repetir, do outro lado, a mesma tática do ódio, somos responsáveis por apaziguar os ânimos e a ter paciência, de Jó, em todos os momentos. Ouçamos Ney, sejamos felizes com ele, sem nenhum traço de rancor, ele continua lindo e maravilhoso.
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[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=NjXumdCxtDw[/youtube]
Isso me deixa muito triste, gosto, gostava muito do Ney. Vi todos os shows dele que pude, comprei LPs, CDs. Mas me entristece saber que nem a arte conseguiu fazer deste brilhante artista um ser humano mais solidário com a maioria do povo brasileiro, nem o ajudou a se informar melhor sobre o país em que vive e que tanto o aplaude (aplaudiu). Não tenho mais gosto em ouvi-lo cantar ou vê-lo dançar. De fato, envelhecer, chegar a mais de 70 anos não é fácil. Bem sei eu disso. Mas me alivia saber que a amargura, o pessimismo que vem me pegando nos últimos meses, tomou a direção contrária ao reacionarismo, Estou assustada com a situação política do Brasil no momento, mas pelas razões opostas às dele. Deus me conserve assim! Abraço pelo excelente texto
Eu continuo gostando muito do Ney. Não gostei do que ele disse, mas gosto dele como artista. E fim.
Muito sensato, Arnóbio! Gostei!
E lá vem você, além das palavras, tocar (como sempre me toca, fundo…) meu coração,
me fazer deixar pra lá o que eu estava nutrindo aqui no recôndito do peito por este moço, desde aquela entrevista em Portugal.
Tá certo. Fiz a reflexão que você propôs. Você está certo. Enquanto ouço À Flor da Pele… ´
Só que agora quero ouvir Secos e Molhados.
Assumo o pecado. Ney, você está desculpado. Vê se não dá outra mancada.
Eu sempre gosto de ler voce, Arnóbio. Tem vida aqui.