Nos EUA, pós-crise de 1929 e especial no pós-guerra, a Classe Média e setores de trabalhadores mais qualificados eram tratados “a pão de ló”, esta velha expressão coincide exatamente com o crescimento do Estado de Bem-Estar Social, ou quem sabe com o “America Way Life”. O certo é que durante décadas a economia e o centro da política nos EUA foi voltada para esta “Classe Média”, era a forma de mostrar que o Kapital incorporava e era o melhor sistema, no contraponto ao leste europeu, a questão era, antes de tudo, ideológica.
Os anos de 1980 é o ponto de saturação desta política, as mudanças gerais feitas pelo governo Reagan, ou seria de Volcker, Goldman Sachs, que aprofundando as medidas do pós-crise de petróleo, partiu para desregulamentação generalizada da economia, centrando no grande kapital, em especial o financeiro, o novo liberalismo foi cruel com a Classe Média e com os trabalhadores especializados. As consequências das seguidas políticas de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos terá seu auge nos governo Bush Jr e Obama.
A ilusão das hipotecas e suas alavancagens artificiais cobrou seu “preço” nos últimos 9 anos, parte deste fenômeno analisei com mais propriedade no meu livro Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded. Sem o dinheiro vindo das hipotecas, que funcionava como “complemento de renda” a classe média despencou vertiginosamente. A proteção do Estado de Bem-Estar Social tinha sido trocada pelo dinheiro das hipotecas, um mundo aparentemente de grandes ganhos, sem ele, a realidade dura bate na cara da classe média dos EUA.
No último dia 02 de Fevereiro, em meio a febre do SuperBowl, o jornalista econômico, Nelson D. Schwartz, escreveu um instigante artigo sobre a queda classe média nos EUA (The Middle Class Is Steadily Eroding. Just Ask the Business World), hoje republicado no Estadão com o título suave “Nos EUA, a classe média perde espaço” (tradução de Anna Capovilla). O artigo é uma porrada, vale ler integralmente, vou ressaltar alguns tópicos sobre a erosão da classe média nos EUA, reflexo direto da Crise 2.0, mas com raízes do movimento do Kapital nos de 1980.
O articulista começa afirmando que “em Manhattan, a luxuosa cadeia de lojas de roupas Barneys substituirá a cadeia de descontos Loehmann, cuja loja em Chelsea fechará as portas dentro de algumas semanas. Em todo o país, os restaurantes das redes Olive Garden e Red Lobster enfrentam dificuldades, mas, nas cadeias mais sofisticadas do setor, como a Capital Grille, os negócios vão de vento em popa. E na General Electric, o aumento da demanda de lava-louças e geladeiras mais caras supera em muito o aumento das vendas dos modelos do mercado de massa”. Ou seja, as lojas e restaurantes voltadas para Classe Média continuam em crise, pois a classe média, decaiu, enquanto para os mais ricos nada mudou.
Isto trocando em números verifica-se que a renda caiu e, como ele afirma, que “embora os dados sobre o consumo sejam menos rapidamente acessíveis do que os que mostram uma distinção comparável no aumento da renda, recentes pesquisas dos economistas Steven Fazzari, da Washington University de St. Louis, e Barry Cynamon, do Federal Reserve Bank de St. Louis, respaldam o que já é evidente no mercado: em 2012, os 5% dos americanos de renda mais elevada eram responsáveis por 38% do consumo interno, em comparação com 28% em 1995″. Cresceu quase 40% a participação do mais ricos no consumo interno em menos de 20 anos.
Constata ainda que “Mais impressionante é o fato de que a atual recuperação se restringe quase totalmente à camada mais rica da população, segundo os pesquisadores. Desde 2009, os gastos corrigidos pela inflação dessa camada subiram 17%, em comparação com apenas 1% para os 95% na base”. Os mais ricos estão ainda mais ricos e rapidamente se adaptaram aos novos tempos, passando incólumes pela grave crise. O que “Em termos mais amplos, cerca de 90% do aumento geral do consumo corrigido pela inflação entre 2009 e 2012 foi gerado pelos 20% das famílias de renda mais alta, mostrou o estudo, patrocinado pelo Institute for New Economic Thinking, um grupo de pesquisa em Nova York”.
Ele ainda diz que “os efeitos deste fenômeno agora se expandem sucessivamente por todos os setores da economia americana, do comércio aos restaurantes e hotéis, cassinos e até mesmo fabricantes de eletrodomésticos. Por exemplo, luxuosas casas de jogo de Las Vegas, como Wynn e Venetian, estão faturando alto, atraindo apostadores mais ricos do que os cassinos regionais de Atlantic City, do norte do estado de Nova York e de Connecticut, cuja clientela é menos abastada e, portanto, não aposta tanto, disse Steven Kent, analista da Goldman Sachs”. Há um estreitamento no mercado de consumo e uma virada para os setores ainda mais ricos.
Entretanto o reflexo na sociedade é preocupante, pois “enquanto os gastos dos mais ricos impulsionam hoje a economia, a cisão cada vez maior está preocupando, segundo Fazzari. “Será difícil manter uma forte expansão econômica com uma proporção tão grande da população que não acompanha este crescimento”, afirmou. “Talvez possamos seguir em frente de qualquer modo, mas, conseguiremos nos recuperar?”. A recuperação da economia será mais lenta, ou mais restritiva, criando um fosso social ainda maior.
A segmentação será maior do mercado e “embora os super ricos recebam grande parte da atenção, a maioria das companhias cria estratégias para uma fatia mais ampla de consumidores abastados. Na GE Appliances, por exemplo, a marca que mais cresce é a linha Café, que visa os 25% top do mercado, com refrigeradores que custam entre US$ 1,7 mil e US$ 3 mil. “Esta é uma pessoa disposta a pagar pelas novidades”, diz Brian McWaters, gerente geral da divisão de eletrodomésticos da GE”. Por outro lado a situção se agravará em serviço, haja visto que “para os americanos comuns, a divisão é ainda mais acentuada. A Sears e a J.C. Penney, varejistas cujos produtos se destinam principalmente ao americano médio, estão em maus lençóis. No mês passado, a Sears anunciou o fechamento de sua loja mais famosa em State Street, Chicago, e a J.C. Penney informou que fechará 33 lojas e demitirá 2 mil funcionários”.
O que se evidencia com “o número de clientes que estão a pé e costumam frequentar casas médias, menos sofisticadas como Red Lobster e Olive Garden, caiu em todos os trimestres menos um desde 2005, segundo John Glass, analista do setor da Morgan Stanley. Com frequentadores que pagam em média US$ 16,50 por pessoa no Olive Garden, afirmou Glass: “São clientes de classe média. Não são ricos. Nem pobres”.
Por fim ele afirma que “com o crescimento da renda estagnado e o aumento dos preços de itens indispensáveis, como saúde e educação, acrescentou: “Estão economizando”. Por outro lado, na Capital Grille, uma cadeia da Darden para clientes mais ricos, onde o gasto médio por pessoa é cerca de US$ 71, as contas subiram em média 5% ao ano nos últimos três anos”. E claro que os “Mercados” “pressionam a administração da Darden a desmembrar a empresa e criar uma outra com casas voltadas para o público mais rico”.
Mas quais as consequências no futuro próximo desta decadência da famosa classe média dos EUA? Ela aceitará pacificamente, não apenas o empobrecimento, mas ter seus horizontes mais restritos? Os gastos com saúde e educação, quase todos privados, aumentando e sem poder contar com uma rede pública ampla, o Obama Care não vingou ainda, será partilhado pela classe média e o mais pobres em breve. Esta classe que foi a estabilidade do império pode voltar à luta, mas não percebeu que o Estado Gotham City se impôs, o que lhe tirará até a liberdade elementar.
Debatamos e acompanhemos o que nos espreita.