De repente você assisti um filme e se arrepende amargamente de não tê-lo visto antes, várias vezes, foi esta a sensação ao selecionar o filme “O Homem da Máfia” (Killing Them Softly), o nome em português não bate com o enredo, mas este é o menor dos problemas. Apesar de baseado num livro de 1974, Cogan’s Trade de George V. Higgins, o diretor, Andrew Dominik, fez uma leitura absolutamente inusitada, trazendo o filme para Setembro de 2008 em pleno crash da bolsa de valores e a crise dos subprimes.
A adaptação genial desloca o ambiente de um filme sobre a máfia, para uma peça sobre política que tem como pano de fundo a máfia, ou seria sobre as corporações capitalistas?Os banqueiros, wall street? Durante o desenrolar das ações há sempre uma TV ou um Rádio ligado em que mostra os lances dramáticos daqueles célebres meses de agosto, setembro e outubro de 2008. Os debates entre Obama e McCain, as falas de Bush Jr, seu apelo ao congresso, tudo isto conectado ao “microcosmo” do problema local.
Um pequeno mafioso, Markie Trattman (Ray Liotta), lidera jogatina em Nova Orleans, não poderia ser em outro lugar, a cidade destruída pelo Katrina tem suas feridas mostradas nas casas velhas e sujas, ruas mal cuidadas, um panorama de terra arrasada. Alguns anos antes Trattman tinha passado a perna na máfia, simulando um assalto, aquilo provocara uma crise, pois o jogo na cidade tinha ficado sem crédito e sem credibilidade. Aqui uma clara referência a 1997, o crash da bolsa.
Agora um grupo de pequenos pilantras resolve repetir o golpe, pois naturalmente Tratman será o culpado, um novo assalto e a crise se reestabelece. A metáfora é bem direta, a conexão entre Nova Orleans e Nova York é muito clara, o jogo de pôquer e o jogo de apostas de Wall Street, também. A crise de confiança, não há mais crédito e nem a famosa credibilidade no jogo precisa de uma intervenção “pesada”. Jackie Cogan, Brad Pitt, é chamado para dar um jeito na bagunça. Mas seria Cogan um Henry Paulson? O homem de confiança do Goldman Sachs que vai ajudar os chefões, Bush Jr, Obama a limpar a barra?
A narrativa é lenta e divertida, cada um morto é um cheque que o congresso dá aos banqueiros para que a “confiança” no mercado, a liquidez, seja reestabelecida, claro que não escapa ninguém, nem mesmo Bush Jr e seus parceiros varridos pelo Senador Obama, que surge como a voz da nação para dizer e repisar as palavras de Jefferson, sobre a grandeza dos EUA, do seu povo, o que ironicamente Cogan responde: “Que povo, que nação, somos apenas um negócio”. Criticamente, assistindo ao discurso de Obama ele ainda faz lembrar que Jefferson era apenas um burguês local que tinha cansado de pagar impostos aos ingleses.
A fusão de múltiplas realidades é um ponto alto do filme, alguns diálogos são entrecortados com os discursos de um figurão de Washington, mas é ali, na sarjeta, na jogatina, das ruas imundas que América é América, não havendo muita diferença entre o pequeno jogo, o pôquer local, e o jogo pesado da Bolsa de Valores, do glamour dos milionários de Wall Street.
Um ótimo filme, talvez a melhor ficção ou metáfora da crise recente.
O Homem da Máfia – (Kill Them Softly)
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