Nos nossos estudos sobre a Mitologia Grega, tratamos de Orfeu um típico Xamã, cumprindo ritos iniciáticos dos xamãnticos que era descer à mansão dos mortos (Hades), um rito de passagem que o tornará no futuro um grande curandeiro, mágico, profeta e visionário. A cultura grega, por influência de elementos vindos da Ásia, notadamente da Índia carrega vários valores comuns entre Xamãs e Gurus, os mistérios e os deuses.
O deus Hefesto é uma espécie de xamã, segundo Junito de Sousa Brandão ele é o “Xamã dos nós, o deus-enfeixador. E graças a seus trabalhos artísticos e mágicos, como tronos, redes, correntes, é capaz não só de atar deuses e deusas e até o Titã Prometeu, mas ainda sabe, quando solicitado, desatar com maestria, conforme demonstrou, assistindo Zeus como parteiro, por ocasião do nascimento de Atená, e libertando sua mãe do trono e sua esposa e o amante Ares da corrente invisível”. Junito cita Mircea Eliade para melhor definir Hefesto e seus poder de amarras, de dar nós “Em parte alguma, aliás, a equivalência da magia e da perfeição tecnológica é mais bem valorizada do que na mitologia de Hefesto (…). Os nós, as redes, os cordões, as cordas, os barbantes alinham-se entre as expressões ilustradas da força mágico-religiosa indispensável para poder comandar, governar, punir, paralisar, ferir mortalmente; em suma, expressões ‘sutis’, paradoxalmente delicadas, de um poder terrível, desmedido, sobrenatural”.
Ora, muitas vezes não percebemos a repetição dos comportamentos e de elementos na sociedade atual, como se fosse algo Novo, não reparando a longa tradição humana e sua Psique. Como ainda diz o mestre Junito que “todo esse poder maravilhoso e terrível, construtivo e destrutivo, Hefesto o deve ao domínio do fogo, apanágio dos xamãs e dos mágicos, antes de se tornar um grande segredo dos ferreiros, metalúrgicos e oleiros”. As Artes novas ou velhas carregam esta imensa carga do nosso inconsciente coletivo, os deslumbrados pensam: tal coisa é o Novo, quando se olha de perto nada tem de novo.
Recente escrevi sobre a questão dos Indignados (Indignados, será que surgiu o “Novo”?, que guarda muita relação de como as coisas se repetem quando o “Novo” não passa de um produto “Velho” com outra embalagem, exemplos como os Gurus Indianos estilo Rajneesh, ou Gurus “digitais” pós-modernos como Steve Jobs, ou até “Magos” como Paulo Coelho, são repetições e padrões de comportamentos. Os “Gurus”, Xamãs são necessários ao Inconsciente Coletivo. São arquétipos que ajudam o homem a ter um pé no passado, etéreo, que lhe dar segurança em aceitar o presente, principalmente vislumbrar o futuro sem tanto medo.
Claro que parte são superstições, mas fazem parte da experiência humana, entretanto é preciso ficar atento pois este gurus se aproveitam para extrapolar e partem para exploração de seus adeptos. Na maioria das vezes criam seitas, coletivos, marcas, produtos para tornar seus fiéis em pessoas raivosas, estreitas e sectárias. Jamais se pode falar, criticar ou comentar sobre tais ícones, pois se corre o risco de linchamento moral feito pelos torpes fiéis, perde-se o elemento mais elementar, o poder da reflexão, pois se transforma em guerra santa e maniqueísta.
Agora mesmo neste debate sobre as Novas formas de manifestações e os produtos surgidos dela, os vários coletivos MPL, Anonymus, Mídia NINJA e seu gerador, o Fora do Eixo. Qualquer questionamento é visto como “desrespeito” ao “Novo”, como se o “Novo” se colocasse acima do bem e do mal, não podendo ser perguntado, interpretado e discutido. E se vai empobrecendo o real conhecimento e experimentação destas propostas, que entram na vida real como mais um pacote pronto e acabado, contradizendo o próprio sentido do que se propõe, a tal “multidiversidade da narrativa”, seja lá o que diabo isto signifique.
O que percebo nas redes sociais é a eterna repetição da necessidade dos Gurus, Xamãs, o que de todo não é ruim, mas o discurso empolado, tentando ser pós-tudo (pós-rancor, pós-modernidade, pós-Luta de classe), quando na verdade pode esconder exatamente o velho, ou o pós-nada, apenas uma necessidade de se integrar à sociedade consumo com algum status. Lembremos-nos dos Hippies (virando Yuppies) ou dos Punks, domesticados como “moda”. Portanto não se trata de detratar ninguém, apenas trazer à luz, compreender e dialogar, inclusive para se negar de forma direta, com propriedade e sem receio de ser massacrado pela manada do “amém, aleluia”.
Por enquanto continuo o mesmo “Velho” de sempre, mas com espírito livre para debater, conhecer, convencer e ser convencido sobre novas propostas, só não venham com pacote pronto tentando enfiar goela abaixo.
No início dos 80’s trabalhei um tempo em Moçambique. Transcorridos apenas 5 anos da saída dos portugueses, estava-se procurando conformar um novo país, que comportasse as dezenas de etnias que ali viviam com suas línguas, suas características culturais, sociais e econômicas. Para isso, uma das iniciativas que mais me chamavam a atenção eram as “Ofensivas”, isto é, focar determinados temas para discussões na sociedade, com vista à formulação de diretrizes e, eventualmente, de leis. Pude acompanhar algumas discussões de uma dessas Ofensivas, relacionada ao resgate de elementos culturais destes povos, que haviam sido sufocados – e mesmo proibidos – pelos colonialistas, e que enunciava: “Viva os valores positivos das culturas tradicionais / Abaixo os valores negativos das culturas tradicionais”. Mesmo com todo o eventual dirigismo destas discussões – afinal, o que é “negativo” ou “positivo” em cultura? – reconhecia-se que nem tudo, somente por se tratar de signos ligados a determinadas tradições, deveria ser estimulado na nova sociedade em construção. E algumas das discussões que presenciei eram totalmente emocionantes, de arrepiar os pelos dos braços.
Creio que é um pouco disso que está faltando nas discussões que vem sendo travadas no Brasil hoje, especialmente nas áreas de cultura e de comunicação. O que é realmente Novo? O que é irremediavelmente Velho? O que do Novo é mesmo bom – e para quem? O que do Velho deve ser preservado – e por que?
Este artigo do Arnóbio nos dá uma base histórica e cultural importante para prosseguir.
Lufeba,
Tão rico depoimento, aquela proposta de que você, Jorge e a Marinilda gravem um documentário sobre as experiências extraordinárias de vocês continua de pé. Aliás, em boa parte lançaria luz neste momento tão “gasoso” e incerto. Esta aparente velocidade e resposta para ontem pode conter uma armadilha cruel, nem sempre boa para os trabalhadores( de cultura ou comunicação em particular).
Arnobio
Lufeba,
Pergunta difícil a sua. O negócio tá de pirar quem realmente pensa, ontem recebi a chamada de um curso, a ser dado pelo Ronaldo Bressane : “Pós-jornalismo: um laboratório de experiências em não-ficção.Laboratório de não-ficção para produção de textos jornalísticos com forte pegada literária, com discussão e pesquisa de novas maneiras de praticar jornalismo” . Fiquei me perguntando: o que é um texto jornalístico com pegada(sic) literária? Se é não-ficção, onde entra a literatura??? O custo do tal curso é 4 parecelas de R$350,00. E há quem pague!!
Maria Salete,
É a pós-pós-qualquer coisa, ou ficamos velhos demais ou burros demais, não tem como entender tal caminho sem discutir com calma, pois, desconfio, que a pressa e a imposição faz parte da lógica de quem não quer esclarecer o que tem por trás do tal “Novo”.
Arnobio