Ontem tratamos da questão se os EUA saíram ou não da Crise 2.0, incidentalmente, porém, surgiu um problema mais complexo: Quando se deu efetivamente o início da crise, ou melhor dizendo, o ponto de ebulição. Parece preciosismo, mas não é, muitas vezes, já disse isto aqui, os economistas tratam dos efeitos da crise, nunca a causa. Mais ainda, analisam-na quando ela já se deu, ou no momento que se tornou visível demais. Marx, assim define a crise:
“a crise constitui sempre o ponto de partida de grandes investimentos novos e forma assim, do ponto de vista de toda a sociedade, com maior ou menos amplitude, nova base material para o novo ciclo de rotações” (Marx – O Capital – Vol III)
Esta questão é fundamental para que um projeto alternativo de sociedade possa captar melhor os sinais de Superprodução e agir efetivamente no combate ao capital, pois os atuais embates, já se são numa conjuntura extremamente desfavorável, a classe expulsa do mercado de trabalho, com alto desemprego e politicamente desarmada, sendo vítima da ação mais que predatória do grande capital. Aceita acordos aviltantes de redução de salários, benefícios, previdência e aposentadoria.
A Crise atual é de 2005/2006
Por dados empíricos cheguei a conclusão que o ápice do antigo ciclo de produção/circulação e realização do capital se deu entre 2005/2006, o ponto de ebulição, ou de Superprodução de Capital. Ontem apresentei os números do Departamento de Comércio dos EUA no post Crise 2.0: EUA saíram da crise?. Este dados são um claro indício do que venho escrevendo. Hoje li mais uns dados da Standard & Pools sobre o preço de imóveis nos EUA, publicados pelo Radar Econômico do Estadão:
“As moradias nas 20 regiões metropolitanas analisadas pela S&P estão 33% mais baratas do que no pico histórico, de julho de 2006, sendo o momento atual o pior da série com ajuste sazonal.
Na pesquisa sem esse tipo de ajuste, o indicador também aparece em nível comparável ao dos seus momentos mais críticos. O índice da S&P mostra que, desde 2009, o setor teve breves momentos de recuperação, mas sempre seguidos por perdas que levaramm de volta a um patamar em torno de 140 pontos.
Essa pontuação serve para comparar os preços em diferentes momentos. No pico histórico, por exemplo, o índice sem ajuste sazonal marcava 206 pontos. Se hoje está em 140, significa que houve uma queda de 33% nos preços nesse ínterim.
Os piores momentos da crise, pela série não ajustada, ocorreram em abril de 2009 (139 pontos), em abril do ano passado (138) e em novembro último (140, dado mais recente). Nesse meio tempo, houve alguns lampejos de recuperação, chegando a atingir 149 pontos em julho de 2010, mas tais momentos foram sempre frustrados por perdas posteriores”.
O ápice do ciclo se deu entre meados de 2005 e fevereiro de 2006, em linha com outros índices de preços de que falamos ontem. Leiam a conclusão de Sergio Crespo, o jornalista responsável pelo Radar Econômico do Estadão:
“O gráfico mostra que houve uma alta praticamente contínua de 2000 a 2006, seguida de uma queda iniciada naquele ano e acentuada em meados de 2007, um ano antes da quebra do banco Lehman Brothers. Desde 2009, o setor vem se debatendo, sem sucesso”.
Crise de 2008, ou momento da queda
É importante olhar estes dados e ligá-los aos fenômenos dos sub-primes ou da ciranda das hipotecas, quase toda baseada nestes inflados preços de imóveis. O “mercado” percebe como ninguém o movimento do capital, sabe que o capital não se reproduz por si, mas fundamentalmente no Valor, ele especula em cima da taxa de lucro, dos ganhos futuros. Quando as hipotecas começam a se tornaram impagáveis, precisamente em 2005/2006, foi o ano de maior emissão de sub-prime, os bancos de especulação pura, simplesmente foram para o “vinagre”.
Precisamente em 2005 foi o ano de menor desemprego em décadas nos EUA, com 4,7%, os salários estavam num patamar elevado, os empréstimos com juros baixos e fáceis, tudo conspirava a favor. Se olharmos no gráfico, entenderemos que em julho de 2005 tudo trava, os preços começam se estabilizar, não há mais crescimento. É coerente com o restante da economia dos EUA.
A queda se inicia em abril de 2006 e desaba de vez em março de 2008, nos meses que começa a longa sequência de falência dos bancos dos EUA que culmina com a quebra do Lehman Brothers em Setembro de 2008. No post Crise 2.0: Cronologia do Crime , demonstro esta sequência de quebras dos bancos e ajuda do FED, comparem com os gráfico dos imóveis.
Março
“Em março, o Federal Reserve disponibiliza mais US$ 200 bilhões para bancos em dificuldade. No dia 17, o quinto maior banco americano, Bear Stearns, é comprado pelo JP Morgan Chase por US$ 240 milhões (um ano antes, o banco valia US$ 18 bilhões).
13 de julho
O banco de hipotecas americano IndyMac entra em colapso e se torna o segundo maior banco a falir na história dos Estados Unidos.
14 de julho
Autoridades financeiras dos Estados Unidos prestam assistência às duas gigantes do setor de hipotecas, Fannie Mae e Freddie Mac. Juntas, as duas companhias são responsáveis por quase metade das hipotecas dos Estados Unidos e detêm ou garantem cerca de US$ 5,3 trilhões em financiamentos e são cruciais para o mercado imobiliário americano.
Setembro: o desastre
7 de setembro
O governo dos Estados Unidos anuncia que está assumindo o controle das empresas de hipoteca Freddie Mac e Fannie Mae, numa opera
ção que foi considerada uma das maiores do gênero na história americana. O secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, afirma que os níveis das dívidas das duas companhias significavam um “risco sistêmico” para a estabilidade econômica e que, se o governo não agisse, a situação poderia piorar.
10 de setembro
O Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, registra perdas de US$ 3,9 bilhões nos três meses anteriores a agosto. O anúncio ocorre em meio a mais alertas econômicos feitos pela Comissão Européia, afirmando que Grã-Bretanha, Alemanha e Espanha poderão entrar em recessão até o final de 2008.
15 de setembro
Depois de dias em busca por um comprador, o Lehman Brothers entra com pedido de concordata, se transformando no primeiro grande banco a entrar em colapso desde o início da crise financeira. O ex-presidente do Fed Alan Greenspan afirma que outras grandes companhias também poderão cair. No mesmo dia, o Merrill Lynch, um dos principais bancos de investimento americanos, concordou em ser comprado pelo Bank of America por US$ 50 bilhões para evitar prejuízos maiores.
16 de setembro
O Federal Reserve anuncia um pacote de socorro de US$ 85 bilhões para tentar evitar a falência da seguradora AIG, a maior do país. Em retorno, o governo assumirá o controle de quase 80% das ações da empresa e o gerenciamento dos negócios. Lehman Brothers fecha acordo para vender partes suas as operações de brokers e dealers para o britânico Barclays.
17 de setembro
Imprensa noticia que o Washington Mutual (WaMu), financiador de hipotecas e maior instituição de poupança dos Estados Unidos, se colocou em leilão como forma de ampliar os esforços para se salvar, em meios aos graves problemas financeiros que atravessa.
23 de setembro
O japonês Nomura Holdings chega a um acordo para comprar por US$ 225 milhões a filial do Lehman Brothers na Ásia Pacífico.
25 de setembro
Outro gigante do setor de hipotecas dos Estados Unidos, o Washington Mutual, é fechado por agências reguladoras e vendido para seu adversário, o Citigroup.
28 de setembro
A crise se alastra mais pelo setor bancário europeu com a nacionalização parcial do grupo belga Fortis, para garantir sua sobrevivência. Autoridades na Holanda, Bélgica e Luxemburgo aceitaram investir 11,2 bilhões de euros na operação. Nos Estados Unidos, legisladores anunciaram que chegaram a um acordo bipartidário para aprovação do pacote de US$ 700 bilhões para salvar instituições financeiras afetadas pela crise.
29 de setembro
A Câmara dos Representantes (deputados) dos Estados Unidos rejeita o pacote de US$ 700 bi proposto pelo governo americano para socorrer instituições financeiras afetadas pela crise. Os legisladores retomam as negociações para realizar uma nova votação na casa.
O Wachovia, o quarto maior banco americano, é comprado pelo Citigroup, em um acordo de resgate que conta com o apoio das autoridades americanas. Segundo este acordo o Citigroup vai absorver até US$ 42 bilhões dos prejuízos do Wachovia.
Na Grã-Bretanha, o governo confirmou a nacionalização do banco de hipotecas Bradford & Bingley. O governo assume o controle de financiamentos e empréstimos do banco no valor de 50 bilhões de libras (cerca de R$ 171 bilhões) enquanto suas operações de poupança e agências são vendidas para o Santander, da Espanha.”
A reação do ESTADO (FED)
Entre Março, que se inicia com a quebra do Bear Stearns, até outubro de 2008 o governo dos EUA desembolsou a fundo perdido 2 trilhões de dólares para salvar os bancos, financiadoras e seguradoras contaminadas pelos subprimes, este ativos tóxicos “venceram” antecipadamente em 2008 e consumiram 1,4 trilhões, porém seu total podre chegou aos inacreditáveis 12,3 trilhões de dólares, cerca de 89% do PIB dos Estados Unidos.
O FED, com disse nesta semana resgatou durante os últimos 3 anos 5 trilhões de dólares de títulos de podres de bancos e empresas, praticamente estatizou ou tutelou o sistema bancário dos EUA e algumas simbólicas empresas privadas como a GM. Destas emissões gigantescas sobrou um estoque, de cerca de 1,7 Trilhões em títulos americanos, não mais “tóxicos”, além de uma emissão pura de bônus de 900 bilhões, totalizando 2,9 trilhões de US$.
Corretamente meu amigo Sergio Rauber complementou o artigo de ontem e levantou uma questão central:
“A manobra macroeconômica depende muito do sucesso na tarefa de enxugar a nova liquidez e, se o alvo são os BRIC’s, ainda não está claro quais serão as manobras dos emergentes frente ao “desafio” proposto. O bloco pode surpreender”.
A saída ou financiamento do novo ciclo da economia dos EUA passa, como aponta Sergio, pelo enxugamento da nova liquidez, apenas ontem a Petrobrás captou 7 bilhões de Dólares, Celso Ming escreve hoje sobre a farta oferta de dólar, óbvio que não vai ligar ao que nos interessa, mas demonstra a fonte:
..“o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) faz de tudo para garantir farta liquidez. Seu presidente, Ben Bernanke, acaba de avisar não só que os juros básicos seguirão perto de zero ao menos até o fim de 2014, mas que pode colocar em marcha nova operação de recompra de títulos do Tesouro americano (afrouxamento quantitativo) – o que implicaria novas emissões de moeda”.
Diz mais sobre o Brasil, parte dos BRICS e o grande fluxo de Capital:
“Essa atuação dos grandes bancos centrais, que restabeleceu no mercado financeiro internacional o apetite por aplicações de risco, é a principal explicação para o grande afluxo de moeda estrangeira ao mercado de câmbio do Brasil.
Mas não é a única. Contribui para isso o aumento da percepção de que, comparada com as demais, a economia brasileira vem tendo bom desempenho. Não é nada, exibiu em 2011 crescimento das exportações de nada menos que 26,8%, num ambien
te paralisado pela crise; avanço do PIB de cerca de 2,7% (os números finais não estão disponíveis); e situação de pleno emprego como nunca se viu por aqui.
Portanto, a baixa do dólar no câmbio interno não é provocada por especuladores que trazem moeda estrangeira para tirar proveito dos juros bem mais baixos – como muita gente ainda pensa”.
Conclusão
A reação à crise se deu em 2008/2009 com o Estado via FED e BCE salvando a economia do caos, o novo ciclo se abre ali, agora estamos percebendo, de forma ainda dessincronizado( Europa em queda) este novo momento. É consistente, qual a duração deste novo ciclo? algumas conclusões:
1) O patamar de partida, pelo menos dos EUA são os preços de 2005, o que concluímos que a queima de forças produtivas foi de cerca de 1/3 da economia. Voltamos ao jogo com 9,1% de desemprego(número máximo)nos EUA com salários achatados em mais de 25%. É daqui que se parte.
2) A Europa, exceto Alemanha e em função dela, passa por um profundo ajuste, uma queda real, que deve ser similar ao que aconteceu nos EUA, alguns países até maior a queima de forças produtivas, pois viviam um padrão econômico irreal, sustentado por uma moeda forte;
3) Os BRICS são a novidade deste novo ciclo, mas algumas preocupações graves se apresentam, o mesmo Capital que anima a economia do Brasil, por exemplo, é o mesmo que suga as taxas de lucros locais, as empresas estrangeiras mandando divisas para matrizes, uma espécie de “swap” a estes dólares que entram;
Excelente, Arnobio. Sem dúvida a série Crise 2.0 é leitura obrigatória para a preparação da seleção do mestrado, é bala na agulha para entender os novos movimentos do capitalismo no mundo pós-neoliberal.
Valeu, cara.
um bem a sociedade
Ótimo artigo, como sempre! Obrigado por compartilhar!
Agora, temos apenas que aguardar a próxima. Meu medo é que, estando a Europa ainda no buraco, os EUA recomecem a crescer e esses dois gigantes não sincronizem os movimentos. Será que os Brics suportam bem o fim da crise aqui e o auge da crise ali?