“Pastores que habitais os campos (. . .)
sabemos relatar ficções muito semelhantes à realidade,
mas, quando o queremos, sabemos também proclamar verdades”.
(Teogonia – Hesíodo)
Nestes tempos terríveis que as Trevas se aproximam de forma irresistível e ameaçam a civilização, a sociedade da informação parece namorar com a Idade Média. Fico procurando as raízes desses sentimentos tão contraditórios, esses sinais tão invertidos que, por um lado, nos aproximamos do conhecimento total dos fenômenos, mas, ao mesmo tempo, milhões negam as descobertas científicas de forma bestial, inclusive por pessoas com alta formação universitária.
A investigação, do meu ponto visto, deve ir ao nosso passado mais longínquo, especialmente da nossa origem política, social e religiosa, da psique ocidental. Parte desse acesso tecnológico amplo e veloz produz uma sensação de medo e insegurança sobre o que realmente somos e que entra em conflitos com as verdades religiosas, éticas e a identidade de grupo se apaga pela rapidez das transformações.
A facilidade e a velocidade que uma mensagem circula, certa ou errada, imprecisa, mas que pode ganhar um caráter de “verdade”, sem dúvida cria uma incerteza, até para pessoas que, em tese, detém maior conhecimento e formação científica, porém caem nas armadilhas e perdem o senso crítico de filtrar ou questionar determinados absurdos que viraram quase verdade, ainda que estapafúrdia.
As redes sociais potencializaram o pensamento acrítico, a volatilidade e a liquidez de tudo que é escrito, repassado, parece não dar margem para que se debata e investigue com mais profundidade qualquer ideia. As teses ganham corpo e somem em minutos, o que tornou um campo fértil para mistificações e produção de factoides, sem valor científico algum, mas que ganha adeptos fanáticos, que não admitem o contraditório: “penso assim, respeite”.
A idiotia ganhou músculos e feições raivosas, pouco importa se vai se falar de política, religião, futebol ou de uma descoberta científica. O método foi substituído pelo achismo tolo, como se a mesa do bar tivesse virado o centro do universo, ou melhor, o umbigo do boçal é mais exato do que qualquer livro de história ou experimento científico, pois, pela lógica deles, não existem mais verdades. Ainda que várias “verdades” sem embasamento nenhum vire, “verdade”.
Lembremos a visão do escritor e filólogo italiano, Umberto Eco, de que antes das redes sociais, os ‘’idiotas da aldeia’’ tinham direito à palavra “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Mas que ”O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.
No meio dessa confusão total, dessa insegurança, os mitos acabam virando a chave onde se seguram nas religiões e seitas que vendem o passado glorioso passam a dominar as mentes, a condenação moral do modo de vida moderno, a “falta de deus” cala forte, ainda que o cidadão não cumpra nem um mandamento, mas ele um dia vai cumprir.
Há ainda as reduções morais e sociais a pequenos postulados típicos do neofascismo, algo como punição e violência, de todas as espécies. Pela sensação de pressa das redes, todo o resto da vida é visto como morosidade, em especial, a justiça (de fato é). A atitude diante de um crime, ou mesmo suspeita, é de condenação exemplar, o que facilita o surgimento de “justiceiros”, tanto de ministério público ou de juízes.
Basta ver a quantidade programas policiais e de parlamentares eleitos vindos de polícias, numa visão de que eles fossem ao parlamento, ou aos executivos, para sair atirando e resolvendo imediatamente qualquer problema. O fracasso deles rapidamente é atribuído aos outros políticos que não querem mudar, discurso corrente e vira, mais uma vez, verdade.
A glorificação do passado, da violência, a condenação moral dos comportamentos modernos parece que se impôs de forma completa, quase um mergulho no caos. O trabalho paciente, pequeno e constante será o único para romper essa realidade caótica.
Ah, também tem a chance de cair um meteoro.