Arnobio Rocha Esportes A Tragédia do Sarriá: Brasil Arte 2 X 3 Itália Pragmática (Post 102 – 56/2011)

A Tragédia do Sarriá: Brasil Arte 2 X 3 Itália Pragmática (Post 102 – 56/2011)


Paolo Rossi: O carrasco do Brasil.

 

A copa de 1982 foi a primeira que assisti com pleno domínio e noção do futebol, faria 13 anos no fim do mês de julho, recém mudara de Bela Cruz, minha pequena cidade, para Fortaleza, tudo era novo para mim, a cidade grande, os novos amigos, e nossa primeira TV colorida.

Era uma época que o aparelho de TV era apenas um objeto de alto valor, mas pouco fascínio exercia sobre nós. Preferia mesmo era jogar bola na rua e ler muito, estava impressionado com as lições de português do Professor Roberto Falcão, ex-exilado político que fora ator na companhia de José Wilker, mas que acabara preso nos calabouços da ditadura. Mestre Falcão ensinava o gosto por Jorge Amado e Érico Veríssimo, além de ilustrar que um operário soviético lia 50 livros por ano, por que um estudante brasileiro não podia ler pelo menos 8? Boas lições, civilidade, cidadania e política.

Brasil 1982

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Naquele mês de julho de 1982, como sempre fazia, fui passar férias na casa do meu avô materno, grande figura humana, amigo, inteligente, carinhoso ao extremo e muito brincalhão. Contador nato de histórias e estórias, seus causos eram famosos, todos os netos ficavam admirados com aquele homem, pai de 33 (14 vivos) filhos, cheio de bom humor, naquela imensa mesa ele à cabeceira.

Naquela tarde do dia 05/07 estávamos todos sentados no chão da sala principal, comandados pelo Vovô na sua cadeira de balanço, o coro de Brasil e a certeza de que seria apenas mais um jogo, as 4 partidas anteriores não deixavam sombra da supremacia brasileira, pelo outro lado a Itália se classificou apenas pelos gols pró nos empates com Camarões, Peru e Polônia. Mesmo a vitória italiana sobre a Argentina não punha qualquer medo ao Brasil.

Ignoramos alguns avisos, como a derrota 1980, a seleção perdera o mundialito para o Uruguai. Mas os amistosos europeus de maio de 1981 nos deram muita confiança. Brasil venceu França em Paris, Inglaterra em Wembley e Alemanha em Colônia. Telê Santana montara um time mágico. Talvez o maior meio campo da história do Brasil: Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. Eles nem se olhavam e se achavam em campo, todos na faixa de 28 anos de idade em plena forma técnica e física. Dois laterais sensacionais Leandro e Junior, um miolo de zaga clássico com Luisinho e Oscar, um grande goleiro Valdir Peres. Na frente Éder e Serginho. Era uma seleção de 1 ao 11, na verdade 15 pois era a camisa do Falcão, só tinha craques e alguns geniais. Zico, Sócrates, Falcão e Junior estão em qualquer seleção de todos os tempos.

A Itália se recuperava do escândalo das apostas, Paolo Rossi o maior craque italiano ficara preso e sem puder jogar, um providencial perdão político permitiu que voltasse a tempo, mas a claudicante 1ª fase do mundial apontava para um fracasso daquela geração. Tudo conspirava para nossa vitória. A seleção da Itália até aquele jogo era visto apenas como burocrática, mas depois se revelou uma esquadra sensacional, aquele jogo desabrochou o time: Zoff, Gentile, Scirea, Tardelli, Bruno Conti e o grande Paolo Rossi.

O jogo que nunca acabou, pelo menos pra mim, de vez em quando sonho que empatamos na cabeçada do Sócrates ou na do Oscar, que Serginho fez o gol em que não deixa o Zico completar a jogada, ou ainda que Junior saíra da área no cruzamento do terceiro gol, deixando Paolo Rossi impedido. Bem, nada disto mudará o que aconteceu ali, é uma tragédia que marcou o futebol do mundo.

O mundo do futebol definitivamente tomou outro rumo com aquela derrota. A CBF foi entregue ao genro João Havelange, aqueles craques sucumbiram na sua maior oportunidade, em 1986 a seleção era apenas a história repetida como farsa. Tivemos Lazzaroni, Dunga em 1994, apenas em 2002 voltamos a sorrir um futebol descente, mais eficiente do que vistoso. Desde 1982 procuramos uma seleção, uma geração que ame e jogue futebol com arte.

Ao fim do jogo meu avô permaneceu calado por longos minutos, todos nós chorávamos copiosamente, a esposa dele vendo-o parado deu-lhe uma dose de uísque, ele que raramente bebia, tomou ficou mais vermelho do que era, levantou-se calado, foi dormir em plena na tarde, só o vi no outro dia com olhos inchados. Esta imagem jamais esquecerei.

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  1. “O jogo que nunca acabou” realmente é a melhor definição para aquele Brasil x Itália. Tanto que eu já revi esta partida umas 20 vezes desde então, e sempre fico num nervosismo que já não cabe nos meus 39 anos.

    Embora ainda frequente estádios, hoje o futebol não tem mais relevância na minha vida. Na verdade vou ao estádio mais para reencontrar velhos amigos e passar algumas horas com eles, posto que hoje todo mundo tem uma vida louca. De qualquer modo sei aceitar derrotas e fiascos do meu Grêmio com a maturidade que me cabe. Já aprendi que o futebol é imponderável e imprevisível. Ou, como já dizia o folclórico Dino Sani, o futebol é uma caixinha de surpresas.

    Mas este jogo do Sarriá especificamente é difícil de esquecer, aceitar, relevar. A cada vez que revejo a partida, numa precária fita VHS gravada de um especial da TV Cultura (acho que era “Stadium” o nome do programa), fico com a impressão de que o Brasil vai conseguir fazer o gol a qualquer momento, pois aquela geração de atletas não merecia tamanho azar.

    A cada jogada de triangulação, a cada tabela, a cada drible, a cada bola alçada na área da Itália ou falta cobrada por Zico a sensação é de que a bola vai vencer Zoff e o canarinho vai voar rumo ao destino certo da glória máxima na Espanha.

    Mas o tempo passa e a bola não entra – mesmo 29 anos depois. E, para piorar, o golpe final, a queda da ficha, o fim do sonho, vem com o quarto gol da Itália, num lance de contra-ataque em que a defesa do Brasil é completamente envolvida. Felizmente este gol, de Antognoni, foi anulado. Mal anulado, diga-se. Não havia impedimento no lance, embora Luciano do Valle (numa narração conjunta para Globo e TV Cultura) e o comentarista Flávio Prado nada mencionem sobre a inquestionável legitimidade do gol. Fomos poupados ao menos disso. Seria um 4×2 humilhante para uma Seleção “invencível”.

    O Brasil chegou na Espanha em 1982 com ampla confiança da torcida e da crônica esportiva, embora houvesse uns chatos insistindo que Telê Santana deveria jogar com dois ponteiros agudos (quem não lembra daquele quadro do Viva o Gordo em que o personagem gritava num telefone público “Booooota pooooooonta, Telêêêê!”?). Mesmo com esta ótica ortodoxa de alguns cronistas, o Brasil vinha jogando um futebol tão vistoso que nem mesmo o mais pessimista poderia antever uma queda diante da Itália.

    Atletas como Zico, Sócrates, Éder, Júnior e Oscar estavam no auge. Na verdade a Seleção inteira era praticamente inquestionável, salvo o goleiro Valdir Peres – talvez o único erro, ou melhor, risco assumido do Telê. Émerson Leão, o melhor goleiro brasileiro no biênio 81-82, sequer foi para a Copa. E mesmo assim Telê tinha Paulo Sérgio e Carlos no banco, que também estavam num momento muito bom e deveriam (um deles) ter assumido a titularidade na ausência de Leão.

    Apesar dos pesares, e daquele frango indizível logo no primeiro jogo, Valdir Peres até que não comprometeu tanto quanto se projetava. Os gols da Itália, por exemplo, nasceram de falhas e desatenções dos jogadores de linha, não de Valdir

    Pero, uma coisa que me pareceu evidente neste jogo contra Itália foi a falta de um centroavante mais habilidoso, mais completo, que pudesse tabelar com Zico e Sócrates e pudesse tirar o ferrolho italiano de dentro da área. Serginho Chulapa tinha fama de matador, mas definitivamente não reunia virtudes que o colocassem ao lado dos demais naquela Seleção. Neste jogo a participação dele é pífia.

    Em verdade Chulapa não era o número 9 do Telê. Depois de ter testado Nunes e Baltazar sem conseguir extrair deles a performance que ambos mostravam no Flamengo e no Grêmio, a ideia do Telê era contar com Careca, que tambem estava no auge da carreira e se encaixava perfeitamente no conceito daquela Seleção. Mas por uma infelicidade tremenda Careca teve uma lesão séria e acabou cortado da Copa. E Roberto Dinamite, que também foi para a Espanha, era mais ponta-de-lança – um setor que o Brasil já estava bem servido com ninguém menos do que Zico.

    Então estas talvez tenham sido as grandes ausências daquele time: Leão e Careca. Sobretudo Careca. Porém mesmo assim, mesmo com a equipe que estava em campo, era simplesmente impensável perder para a Itália.

    Lembro de um lance pontual ainda no primeiro tempo do jogo que talvez, talvez!, tivesse mudado a história daquele confronto: Zico foi escandalosamente puxado dentro da área pelo implacável zagueiro Gentile e o árbitro nada marcou, mesmo após Zico mostrar sua camisa com um buraco enorme na altura do que seria o seu rim direito. O Brasil foi para o intervalo perdendo por 2×1, o que já era um espanto, mas todos acreditavam na virada no segundo tempo.

    Enfim. Se você leva em consideração que um jogador como ZICO não conseguiu ganhar uma Copa do Mundo com a Seleção Brasileira, isso por si só revela toda a falta de lógica do futebol.

    Em 1986, mesmo com a ferida aberta, eu ainda acreditei. Mas depois disso, jogo de Seleção Brasileira para mim virou sinônimo de várzea. Prefiro assistir Flamengo de Varginha x Asa de Arapiraca. Ou então tirar o videocassete do armário e colocar aquela velha fita VHS com a gravação de Brasil x Itália. Porque, sei não, às vezes tenho impressão que ainda dá para empatar…

  2. Depois daquela tragédia, nunca mais derramei um única lágrima por time nenhum. Seleção brasileira? – nunca mais torcerei depois daquela dolorosa tarde de segunda-feira, dia 05 de juho. Até hoje, não sei como fui parar no hotel depois daquela partida. Fiquei transtornado, perdido e terrivelmente arrazado. Fiquei duas noites sem dormir no hotel localizado na Gran Via 2, apenas 15 minutos do estádio Sarriá.Mas, apesar de tudo, tenho orgulho de ter ido a Barcelona, de estar presente no dia em que o nosso futebol morreu. Levarei para meu túmulo os gritos de ouvi de dentro do campo no final da partida quando o zaqueiro Gentile gritava para Zoff “É finita, è finita”. Pois estava exatamente atrás do gol e o alambrado era muito próximo do gramado.

  3. __Milhões de comentários e quase 30 anos depois, sempre que leio alguma matéria sobre esse jogo, vejo que “se esqueceram” de citar a seleção da Itália.___O brasileiro, do alto de sua soberba, SEMPRE PROCURA UM CULPADO NO SEU PRÓPRIO TIME, se recusando a reconhecer a superioridade do adversário.__Foi assim em 1950, em 1982, 1998 e 2006. ____Ninguém se lembra que nossa seleção enfrenta outra seleção IGUAL A NOSSA – formada também por 11 jogadores. ___Todos acham que enfrentamos um time de vassouras ou de marionetes. ___EXEMPLO RECENTE: Levamos surras homéricas da França (final de 1998 e em 2006 – dois dos maiores “olés” que eu já assisti), mas sempre procuramos um culpado no nosso lado, se esquecendo que o “culpado” era o time adversário.

  4. Sou descendente de italianos e desde aquela derrota a família rachou no meio. Meu avô (Italiano) ligou logo após o termino eu atendi e ele me disse na lata: “GuilhermO, vai a merda!” e começou a rir.. Em 1994, cinco anos antes de sua morte, após o penalty perdido por Baggio, eu liguei e mandei: “Nono, VAI A MERDA!” :-) Mas digo que trocaria os títulos de 1994 e 2002 pelo de 1982, facilmente.

    Definitivamente, Leão e Raul deveriam ter ido, apesar da maior falha foi ter colocado Serginho no ataque. Aquela seleção não merecia um matador e sim um craque como o Careca ou Roberto Dinamite, vejam o Barça hoje como é. Mas o Telê era muito bairrista e tinha que botar alguém de SP… Quando vejo os jogos o Serginho simplesmente é um peixe fora d´agua. Sem dúvida se a seleção tivesse ganho a copa, seria com certeza comparada com a de 70 e Zico o maior de todos, abaixo apenas do Rei. Uma pena.

    Choro sempre que vejo os lances a 30 anos, realmente o jogo nunca terminou.

    1. Guilherme,

      Lendo seu comentário, volto a chorar, pois este jogo nunca acabou. Os mais velhos dizem que Brasil 2 x 4 Hungria, em 1954 foi mais doloroso, mas para nós a tragédia do Sarriá nos marcou para sempre.

      Abraços,

      Arnobio

  5. Mais doloroso somente Brasil 1 x 2 Uruguai, não pela seleção e sim pelas condições. Meu pai, hoje com 90 anos sempre disse isto: “Estava no maracanã e foi uma dor ensurdecedora. A seleção não era brilhante, mas jogávamos em casa e por ser a final o clima era pleno, ainda mais quando não se tinha nada pra fazer a não ser ver o futebol. Eu só chorei uma segunda vez em 1982, porque foi a maior geração de craques e de homens que o Brasil jamais formou.”

    Em 54, a Hungria era bem melhor e só não levou a copa porque Puskas estava bichado na final com a Alemanha.

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