“Não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja
Arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo
Tenho pressa de viver”
(Coração Selvagem – Belchior)
A pandemia do chamado Coronavírus impôs o isolamento de mais de cinquenta porcento da humanidade. Homens, mulheres, crianças, jovens e idosos, todos trancados em casas, apartamentos, moradias pequenas ou grandes, minúsculas ou castelos, não houve muito escapatória (exceto fugas, festas privés irresponsáveis). Um tempo de desamor e desordem mental e social.
Por óbvio que as condições de miséria se acentuaram, houve radicalização dos trabalhos informais, baixos ganhos, no limite da sobrevivência, que apenas as ajudas emergenciais arrancada à duras penas conseguiram evitar maior tragédia humana nos períodos de maiores incertezas sem vacinas, ou com pouco acesso a elas. Os conflitos também eram maiores, na periferia por conta dos exíguos espaços físicos e das poucas opções de lazer, que se tornaram mais latentes, pois não haviam as festas coletivas de baixo custo.
As redes sociais deram vazão a uma explosão de sentimentos contraditórios, elas se tornaram palcos da vidas virtuais e se tornam o local propício de encontros e desencontros, acertos e desacertos, amores e ódios, solidariedade e indiferença. As lives (de todo tipo) se impuseram como modelo de entretenimento, quase únicos.
A graça e a miséria humana afloraram amplamente, o ambiente de espaços separados, no “ar”, não real, tornaram esses embates de sentimentos quase sempre indo aos extremos, sem mediações.
O “tempo” das redes sociais é radicalmente diferente da vida real, a extrema velocidade em que se desenvolve qualquer relação nestas circunstâncias tornam uma violência anti-humana, pois os atos de vida, tempo e espaço, se comprimem, se concentram, aquilo que em média se viveria por um largo período, passa a ser determinado por horas e dias, na dura e lenta rotina da quarentena, uma contradição latente, Tinha se tempo, mas mais pressa era imposta a tudo.
É claro que era uma violência, mas, ao mesmo tempo, por outra via, era espetacular: Conhecer, viver, sentir e morrer em tão poucos instantes. Entretanto a sensação de que vivemos de ruptura em ruptura cada vez mais breves, certamente, não é a das melhores.
Este tempo/espaço, das Redes Sociais, ainda não foi devidamente assimilado ou dimensionado pelo cérebro humano comum, quem sabe em breve alguma droga vai potencializar ou regular estas novas sensações e expressões de urgência, velocidade, loucura e prontidão.
Numa outra dimensão, a incrível facilidade de comunicação de massa, num ambiente mundial que foi “paralisado”, acabou por criar (recriar) muitas possibilidades, tempo de muitas teses e muitos enganos, especialmente a identificação desse sujeito digital, o tal ativista, como o novo ser revolucionário. Esse é um embate sobre a cultura digital que venho travando tem 25 anos, desde as primeiras BBS e o acesso discado via modem.
A velocidade e transformação foram enormes, difícil até de acompanhar para o cidadão comum, que apenas consume sem refletir o que recebe, cada vez mais sofisticados sistemas e facilidades proporcionados pela tecnologia digital, cheia de novidades novas, orkut, msn, facebook. instagram, tik tok, whatsapp, a rendição aos algoritmos que segregam e aglutinam à serviço da exclusão política e social, silenciamento de uns, voz alta para a Extrema-direita. Nessa semana a “boa nova” é a AI, mais um embuste embalado para iludir.
Essa “parada” técnica talvez serviria para uma nova adaptação humana (ela já experimentou pestes, guerras, genocídios) à condições extremas, de experimentações diferentes, em todos os campos de sua subjetividade, das questões mais latentes e próprias da natureza, como o sexo, passando pela arte, pelo modo que se relacionaria com a vida em risco permanente, com as pessoas, um cotidiano de distanciamento ou de colaboração, dependendo do tamanho da tragédia, que campeou nos últimos três anos e meio.
É fato que aquele início de 2020, mudou de forma inequívoca, o destino da aventura humana na terra, nossos dilema éticos, morais e de costumes, todas foram questionados, por um tempo de incertezas e espremidos por um novo renascer, caso se sobreviva.
Sobrevivemos?