“Vou desfazer a caligem que os olhos brilhantes te cobre
que distinguir facilmente consigas os deuses e os homens.
Não te aventures jamais a lutar contra os deuses eternos” (Ilíada, V, 127-129, Homero)
Voltei a escrever de forma frenética, espremido pelo momento trágico (ou cômico) que ameaça o Brasil, valho-me de minha última e única arma, o verbo. São tantos artigos publicados ao vendo, que, às vezes, deixo passar reflexões mais elaboradas, no meio de textos de discursos mais duros, quem sabe desesperados. Vou recuperar algumas ideias e republicar e pensar um pouco mais.
Sem perceber, os dias correram tão rápido que fui atrás de artigo sobre finitude das coisas, em especial, poesia, na verdade, uma metáfora da vida. A dialética própria, nascer, cresce e findar, assombra-nos, temos aqueles quinze minutos de incertezas sobre o porvir, quando nosso tempo, ou a poesia (a vida) se esgotará de forma irremediável. Aí vem o sonho de Fausto, para assustar de vez. Voltemos ao texto, incompleto.
“Sempre sonhei com uma música (seria a vida?) imortal não findasse naqueles poucos minutos em que foi gravada, que pudesse ter uma estrofe, dois versos a mais, quem sabe alguns acordes, apenas pelo prazer de que algo a mais acontecesse, para aplacar a sensação de finitude, aquele momento que silenciosamente a música termina, ou no instante em que lemos a última frase de um livro inesquecível.
Dominar esse sentimento de que tudo se acaba, que o mágico (ou trágico) momento de ouvir, ler algo espetacular e que não se prolongará mais. Um luto emocional nos domina, no meu caso, fico dias sem entender a razão de que não há um pós-escrito, um som baixinho que seja, para que a música ainda possa vibrar um pouco mais, algumas vezes ouvindo em LP arranhado ela se prolonga mais, um átimo, um último prazer, inenarrável”. (Finitudes – Exceto o grifado, hoje).
Por um instante comecei a refletir sobre a maneira que encontrei de prolongar o sentimento prazeroso de reviver o fim de uma música, mas não sentir seu “fim”. Procuro relacionar um poema, uma música com outra, ainda que elas sejam diferentes, de cantores, escritores distintos, mas meu espírito os reuniu, quase um Frankenstein, uma colagem de amor e sopro de vida.
Noutro texto, já tinha indicado algumas dessas relações “As trevas e as dores de uma ruptura que se avizinha, acendeu meu alerta para onde correr, o que guardar. Minha velha Divina Comédia, a Ilíada, o Hamlet, quem sabe o Fausto ou o Paraíso Perdido, ali vou encontrar alento e amor perdido na humanidade, que vai fundo na sua irracionalidade, a catarse animalesca, pronta para destruir ícones e histórias, num espetáculo dantesco, como se não houvesse amanhã, pior, como se não tivesse acontecido o ontem”. (A Literatura nos Salvará.).
Engraçado que uma boa parte do que escrevo aqui, só encontrará um sentido quando reunidos, lidos em uma ordem, pois a nossa vida é um filme montado quadro a quadro, mas que nem sempre podemos colocar para rodar no mesmo plano filmado. Então nos mostramos apenas naquele instante para quem nos observa. Talvez uma curiosidade, boa ou má, é juntar em processo, ver a dinâmica toda.
Ouvi no rádio uma música Cigarette Daydreams, Cage The Elephant, senti uma felicidade incrível, primeiro queria saber quem cantava, no nome da música, pois em algum lugar da memória, fui jogado para relacioná-la com a maravilhosa Please Mr Postman, Carpenters (música de The Marvelettes, também gravada pelo The Beatles). Nem adianta perguntar como uma se relaciona à outra, não há qualquer explicação, exceto o prazer de ouvi-las como extensão.
Ficamos por aqui, por enquanto.
Gostei bastante. Voltarei.
Odonir,
Será sempre bem-vindo.
Arnobio