Arnobio Rocha Filmes&Músicas A Ilha do Medo (Post 147 – 101/2011)

148: A Ilha do Medo (Post 147 – 101/2011)

“Antes de mim coisa alguma foi criada

Exceto coisas eternas. E eternas eu duro.

Deixai toda esperança, vós que entrais!

Esta é a frase escrita na porta de entrada da cidadela de Dite, consoante Dante, ao ler o poeta se assusta e pergunta a Vergilio se não muito duas estas palavras, o que ele lhe responde para não temer, mas que também não seja fraco, pois ele ainda é vivo, aquilo é para quem já morreu e pagará ali suas faltas terrenas.

A frase gravada na entrada da Ilha de Shutter é outra:

“Lembre-se de nós porque também vivemos, amamos e rimos”

Mas ela também dará uma noção do que aguardará aos dois policiais do FBI, pois verão o que é descer ao “inferno” da mente humana, as mais perturbadoras visões, sentimentos e agonia. As almas dilaceradas, como estão sendo “tratadas” por homens que acolhem aqueles que a sociedade rejeitou como flagelos humanos.

O ano é emblemático, 1954, auge do Marcatismo, cujo maior pecado da alma é ser comunista, as piores sanções de vida, carreira, são frutos desta opção ideológica, aquela ilha é um lugar perfeito para uma conversão não importando os métodos, notadamente o ex-cientista nazista paira sobre a equipe, a longa experiência adquirida lhe confere autoridade, quase um xamã. Mas o filme não é sobre política, mesmo com referências ao nazismo e aos Gulags de Stalin.

O centro do filme é o cérebro, sua força criativa, mesmo sob condições extremas o que ele produz e o choque de horror da loucura, os diálogos são fortes e impactantes, não havendo limites entre realidade/ fantasia ou fantasia/realidade. A definição destes estágios pode se verificar neste debate:

Você acredita no maluco? Pergunta Chuck

Esta é a beleza da coisa: Malucos são perfeitos. Eles falam e ninguém ouve!! Responde Teddy

Ou num outro em que o detetive interroga um dos pacientes:

A senhora parece normal comparada aos outros pacientes.

Ela responde:

Bem, tenho meus dias ruins. Creio que todos têm.Mas a maioria não mata o marido com um machado. Acho que se um homem te bate e trepa com metade das mulheres que vê e ninguém te ajuda, dar uma machadada nele não é uma coisa estranha a se fazer.

O outro policial atalha:

Talvez não devesse mesmo sair daqui.

Ela vai ao direto ao ponto:

O que eu faria se saísse? Não conheço mais o mundo. Dizem que há bombas capazes de reduzir cidades a cinzas. E como chama aquilo? Televisão, vozes e faces saindo da caixa. Já ouço vozes demais.

Os textos são brilhantes, muito acima da média, a intensidade e a tensão está presente nas imagens fortes e na música que bate forte ao fundo, enveredando para uma construção kafkiana em de investigador passa-se a investigado, mudando o ângulo e a construção dos personagens, descontruindo aos olhos de um expectador atônito.

A ida ao ala C é uma visão dantesca das almas condenados pelos seus mais ocultos e selvagens pecados, ninguém ali que mais perdão, nem a morte desejam, pois a sua alma torturada já não tem com que sonhar, o mundo e a vida lhe foi tirada. Nada é o que parece ser. Ali as certezas terrenas se perdem, não há mais em que ou quem confiar.

Prisão do Cérebro

Bem o que consigo apreender deste grandioso filme.

1)   A Ilha é o Inferno – a sua chegada, assim como na Divina é de barco, aqueles que entram nele não voltam;

2)   Mas há volta, desde que a alma seja curada, ou o não retorno, se você sucumbe;

3)   A construção da psiquê de uma alma torturada, os seus monstros ali se revelam, não há o que mentir, não se precisa mais representar;

4)   A Ilha também é Homem, o centro de si, que se isola do continente e faz dela seu ponto de reflexão;

5)   A Ilha também é o cérebro nas palavras da “bruxa da caverna” – O cérebro controla a dor, controla o medo, o afeto, o sono, a fome, a raiva. Tudo. Se pudesse controlar o cérebro recriaria o homem para que ele não sinta dor, nem amor, nem compaixão. Porque não tem lembranças para confessar; Diria eu, sem pecado ou mácula;

6)   O isolamento é um rito iniciático, as viagens oníricas produzidas pelas drogas, visíveis ou invisíveis;

7)   Os rochedos prontos para que se jogue e não retorne mais, ou a caverna (tema tratado neste outro texto Grécia: O eterno retorno) no encontro com sua quase consciência, como bem diz a médica – não me procure, hoje estou aqui, amanhã, para que nunca me achem;

8)   Por fim a necessidade de ir ao farol, sair de dentro de si, da sua escuridão e olhar longe, iluminar, ver, exercitar o sentindo mais forte do ocidental: a visão;

Após sobreviver a tudo, o homem deseja voltar ao continente, deixar de ser ilha, pois o que acontece aqui é ruim. Eis o dialogo final:

– Sabe, este lugar me faz pensar. Diz Teddy;

– O que, chefe? Pergunta seu parceiro

– O que seria pior? Viver como um monstro ou morrer como um homem bom?

 

Um filme à altura de Scorsese, em atuações excelentes de Leonardo di Caprio e de Mark Rufaallo que sustentam o suspense com força e vigor. Deixou-me tonto, sem palavras mesmo dois dias depois de vê-lo. Aqui é um rascunho pequeno demais para tantas imagens, textos impactantes.

 

 

 

 

 Save as PDF

0 thoughts on “148: A Ilha do Medo (Post 147 – 101/2011)”

  1. Muito bom texto Arnobio. Muita interessante sua visão.

    Eu preciso rever o filme pra comentar mais.
    Mas de qualquer forma acho que a direção do Scorcese pareceu fundamental. Posso estar enganada…

    Parabéns!

  2. Esse filme, qdo o vi pela 1a. vez, me causou tal impacto q tive q rever mais várias vezes e em todas as q revi, sempre percebi novas nuances, novas maneiras de entender aquilo…

    Seria o inferno? seria a redenção do inferno o final?

    Saber-se um monstro, mesmo tendo sofrido a pior das dores, 3 filhos mortos, assassinados, sentir-se monstro por ter tido todos o indícios de q aquilo poderia acontecer a qq momento, vide q a esposa já exibia sinais claros de uma profunda perturbação mental, e mesmo assim não ter feito nada q impedisse aquilo?

    Na última vez em q assisti, percebi q o filme trata tb de culpa…escapar da realidade, pq ela o faz se sentir tão culpado q isso o aniquila…sendo assim, uma lobotomia seria a sua única chance de NÃO SER mais ELE, a NÃO memória…na verdade, ele já está morto, desde o início, desde o acontecimento q gerou tudo aquilo…ele já está morto em vida e essa é a pior espécie de morte.

    O teu texto pontua coisas q eu concordo e q tb percebi e me fez pensar e pensar, a Dor, a Culpa, a Morte…

    É um filme q vale ver e rever N vezes…Di Caprio, como sempre, dando um show, o Titanic realmente valeu a pena pra alguma coisa…rs

    Beijão

  3. Muito boa a análise.
    Essa parceria do Di Caprio como Scorcese realmente vem rendendo
    marcos do cinema americano.
    Mas como era de se prever
    um filme intimista numa sociedade com a profundidade de um pires
    ficou longe do impacto de outro da mesma dupla, OS INFILTRADOS,
    um filme de ação que também prova que se pode fazer filme bom
    com competência em qualquer genero.
    A diferença quem faz é o autor-diretor, e viva o cinema autoral.

Deixe uma resposta

Related Post