Muitos não hão de entender sobre algumas questões de vida, seus mistérios, encantos e tragédias. Nesses últimos tempos, para mim, isso tão pouco interessa, inclusive, se me lerão ou não, respeito todas as questões dos que me circundam, sem fazer juízo de valores sobre o que fazem ou pensam sobre a vida, menos ainda sobre o que pensam de mim.
Antes de mais nada, porém, aviso, sou ateu e materialista, nada de consolo/conforto, pois a vida é um sopro, não de D´Us/Javé/Alá/Zeus/, mas de nossa pequena e mágica existência, nossos dias são como gotas no oceano, um piscar de olhos diante dos bilhões anos do universo, somos um acidente de percurso do Caos.
Por toda a minha vida consciente sempre tive uma visão extremamente positiva sobre a vida e o viver. E isso é o mais louco e irônico, ao pensar sobre o que aconteceu comigo, mas sei que também com milhares de pessoas que passaram (passam, é eterno) por uma imensa tragédia de perder uma filha, enterrar (cremar) uma filha é simplesmente devastador.
Nada, nada mesma se compara, entrar no quarto dela é morrer várias vezes, por exemplo.
Passados três anos, oito mês e onze dias, é como se continuasse a acontecer e repetir mesma cena, o mesmo local e hora, todos os dias tenho a visão do aparelho zerando, a linha horizontal permanente, nenhum pulso. Nenhuma vida, nenhum olhar, sorriso, fala, nada.
Desde ali, ou até antes, a vida é a segunda vida, uma espécie de sobrevida, os encantos se foram, todos acúmulos materiais e imateriais, não importam mais, as vaidades, a arrogância, nada servem, chega a ser engraçado quando alguém acha que me ofende, numa dessa situações, recente, um certo sujeito dispara contra minha inteligência: “Interpretar parece que não (sabe ler)”, vitorioso, ele ejaculou-se.
Sério, apenas ri, pensei: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”, Machado ajuda muito, ou quem sabe “as sutilezas dormem nos ouvidos parvos”, do bardo maior.
Nada disso importa, de verdade, o que tinha de perder, perdi, nenhum vaidade ou arrogância poderia recuperar.
O (sobre)viver é um doloroso vencer o dia, as horas, os minutos, com alguma dignidade, sem esperar nada além do que tenho e do que posso fazer pelos que dependem de mim, ou de que possa ajudar, tornar a vida deles melhores, menos fardos, que possa eu, carregar junto.
É isso.