“O aço dos meus olhos
E o fel das minhas palavras
Acalmaram meu silêncio
Mas deixaram suas marcas
Se hoje sou deserto
É que eu não sabia
Que as flores com o tempo
Perdem a força
E a ventania vem mais forte”
(Noturno – Fagner)
O terrível desejo de escrever, de buscar o diálogo, ainda que não seja possível, ainda que vire um monólogo, vamos seguindo, pois nada detém essa fúria que me consume, esse desejo de dizer, mesmo que já foi dito, com mais talento, por outros, no entanto, há a ilusão de que precisa ser dito novamente, ou de que, por outra forma, posso também expressar a mesma ideia.
Ora, se me tornei noturno, sombrio, macambúzio, é porque há uma grande nuvem pairando sobre mim, esperando por uma réstia de sol, para que volte a brilhar minha mente e meu viver. Esqueça quem pensa que busco reparação ou dó, olhar de pena, nada disso, o que tenho e sou, não mudará por nada, o que sobrou do resto de vaidade, será mastigada em cada nova palavra escrita.
O que me assombrava, já se foi, uma coragem e um senso de que nada mais me tira o prumo, o domínio contraditório de dores e sentimentos, nunca estive tão capitão de mim, de minhas forças, as que restaram, são e serão usadas apenas naquilo que traga a efetiva arte de viver, pois ainda não sei se há uma felicidade a ser conquistada, talvez haja sempre um prazer a ser vivido.
No passado a leitura era um compromisso de vida, de conhecer as coisas, os lugares, aquele assustado garoto, de uma pequena cidade, longe dos centros, os livros era minha fantástica viagem. Por intuição, o desejo de descobrir algo além do rio Acaraú, era na biblioteca, nas estórias de trancoso, depois a descoberta de tantos e tantos escritores, meus amigos que me faziam sofrer, quando findavam seus livros.
Vencido o medo, a escrita passa a ser a continuação da viagem literária, de passar para cá o que vi lá fora, como penso um filme, uma música, ou mesmo apenas abstrair e criar qualquer coisa, sem receio de que possa ser lido e criticado, apenas faço e faço, assim e assim, sem compromisso com nada que me imponha pauta, tema, obrigações, as coisas têm que fluir, senão, não.
Bem lá no fundo, é um encontro com alguém que não se perdeu, ou se perdeu e não sabe. O lado B da vida, que vai seguindo, por impulso, para frente, apesar dos pesares.