“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não pára” ( O Tempo Não Pára – Cazuza)
No final de novembro de 2014, seguindo a tradição dos últimos anos (desde 2011), recolho as previsões com os cenários para os dois anos seguintes (leia aqui “Economia Mundial e o Cenário para 2015 e 2016”), geralmente feitas pela OCDE, FMI e BIRD. De posse destes dados importantíssimos, começo a trabalhar numa pequena análise com minha visão sobre o movimento do Kapital e seus representantes, mostrando os impactos sobre os trabalhadores e o povo em geral, para sintetizar o que nos aguarda, quem sabe servir de instrumento de ação para quem nos acompanha, desde a série Crise 2.0.
É significativo como 10 anos depois de sua explosão (nos EUA), a Crise 2.0, continua sendo o cenário dominante em boa parte do planeta, em especial na UE, que entrou nela 2 anos depois, e mais recentemente o Brasil, desde meados de 2010. Mas por que o marcos da Crise 2.0 permanece no horizonte destas regiões, de economias tão importantes? Por que não superam e não engrenam um novo ciclo consistente do Kapital?
Estas indagações me assombram e toda vez que volto a tratar do tema da Economia Política, em parte fico mais satisfeito como a minha tese sobre o Estado Gotham City (no blog Crise Dois Ponto Zero – O Estado Gotham City) parece ser uma resposta correta para as estas questões cruciais. Quanto mais leio e busco informações sobre a Economia Política atual, quer seja nos cenários, nas previsões, ou nos desdobramentos de processos nos países e regiões, mais consolida a minha visão de que a “tempestade” e as turbulências se tornaram mais fortes, nos lugares que resistem ao novo Estado, o Estado Gotham City.
O Estado Gotham City seria, em síntese, uma radicalização das premissas do Neoliberalismo ou, por outra mão, o completo domínio do Kapital Financeiro, não apenas na Economia, mas na submissão Política, quase supressão, como saída e/ou espaço de disputa ideológico. As amarras ao desenvolvimento de um novo ciclo do Kapital, que é a retomada da Taxa de Lucro, estão no Estado atual, quer seja no Estado de Bem-Estar Social, ainda robusto na Europa, ou no incompleto Estado Neoliberal aqui do Brasil, por exemplo.
Mesmo os EUA com Estado Neoliberal mais desenvolvido, a caminhada rumo ao Estado Gotham City, não parece simples, as medidas de aprofundamento exigidas na Economia foram tomadas, e começam a dar resultados, mas Política ainda resiste, com menos força, é evidente. Basta ver a composição do novo Congresso, a maioria massacrante dos Republicanos, com sua ala Tea Party, os legítimos senhores de Gotham, a agenda ainda é travada, a grande virada será a retomada do controle da presidência, em 2016, fechando o ciclo, pois o FED já foi tomando desde os anos de 1980.
As disputas acirradas no Brasil, em especial nas últimas eleições gerais, apontam para o mesmo caminho e as mesmas incertezas. O Brasil tem um Estado híbrido, nem bem chegou ao Estado de Bem-Estar Social, foi assaltado pelo Neoliberalismo dos anos de 1990 (Collor, Itamar e FHC), as forças que disputam o aparelho de Estado nunca tiveram hegemonia suficiente para impor um modelo e quebrar o outro, o Petismo mantém este delicado equilíbrio, com a fase de crescimento tinha entrado em dormência, mas com o estou da Crise 2.0, a guerra voltou com toda a força.
Ainda antes do recrudescimento da disputa eleitoral, tinha feito um texto (Por que o Estado Gotham City não se impôs no Brasil?) em que apontava que “Os governos do PT são uma contradição a mais neste delicado cenário de transição entre Modelos de Estados. Por um lado Lula/Dilma governaram com a total tutela do Kapital com domínio de todos os instrumentos da Economia, em particular a política monetária, por outro lado teve papel fundamental nas políticas inclusivas, mesmo com todos os limites impostos pelo Estado. As medidas foram “civilizantes” de inclusão de miseráveis ao mercado de consumo, determinado por ele mesmo, não significando uma ruptura com seus conceitos e seus ditames. Mas mesmo assim, os governos do PT, que não foram e nem são os desejados pelo Kapital, por sua fração mais específica, o Kapital Financeiro, sendo portando um entrave”.
A virulência da guerra eleitoral e seus resultados contraditórios, com vitória do PT por pequena margem, e ampla vitória da Direita no Parlamento, já se refletiu na formação do novo governo, com menor espaço à esquerda, com mais contradições, com presença mais forte de representantes do Kapital. O peso da Crise 2.0 vai cobrar mais do PT, exigirá uma definição Política maior sobre qual caminho ele vai seguir, pois o Kapital não dará um minuto de trégua, pois já sabe que sem o Estado Gotham City em todo o mundo, a retomada será limitada, com um mundo mais instável, a crise se prolongará mais.
É assim a situação da UE, o Estado de Bem-Estar Social, a maior conquista dos europeus, uma dádiva da luta de classe, graças a polarização dos EUA contra a ex-URSS, perdeu seu sentido com a queda do Muro de Berlim e a reunificação alemã. O Euro nasceu deste momento singular, mas limitado apenas num acordo de “moeda”, a Crise 2.0, pós o projeto em queda livre. A imensa discrepância entre a Alemanha e os demais sócios, demonstra o equívoco da UE, o rolo compressor de Merkel acabou acelerando o Caos, nomeadamente para os sócios menores (Irlanda, Grécia e Portugal) e até mesmo nos médios (grandes), Itália e Espanha.
Os sete anos seguidos de Crise 2.0, agora chega ao seu embate mais forte, a OCDE recomendou no seu relatório que a saída do EURO seria as QEs (QE – flexibilização quantitativa, emissão de moeda acima do lastro), assim como faz os EUA e o Japão. Como observamos em novembro que tais medidas devem piorar o ambiente da UE “com os problemas de desequilíbrios internos na Zona do Euro, pois a Alemanha e, somente ela, sobreviveria num cenário de ruptura da lógica da moeda única, forte e com mesmo “valor” diante de taxas de produtividade e desenvolvimento tão distintas”.
Hoje, no El País, jornal da Espanha, uma reportagem mostra que a UE está num processo de deflação combinada com estagnação e queda de PIB. O desemprego alto da maioria dos países membros e a instabilidade política na Grécia e Espanha, com perspectiva de vitória de novos partidos de esquerda radical (Syriza e Podemos), longe da social-democracia dominante, assim como o avanço da extrema-direita na França, torna o cenário mais turbulento. O velho Estado de Bem-Estar Social, da EU, combinado com elementos fortes de neoliberais luta para não amanhecer no Estado Gotham City, quanto resistirá?
É este o mundo, pelo menos como o vejo, só resta continuar lutando.