O Estado não é um ser supremo que paira acima das classes ou de suas lutas, ele é o elemento essencial para imposição da vontade da classe dominante, no nosso sistema, o Kapital. Mais próximo ainda, não é qualquer parte do Kapital, muito menos o Todo que domina o Estado, mas sim, uma fração principal da Burguesia, aquela que controla os meios de produção, a circulação de riquezas e principalmente se apropria dos lucros. O que no passado correspondeu ao Kapital Industrial, hoje é o Kapital financeiro, o “Deus Mercado” e suas nuvens especulativas quem controla o Estado, ou melhor, o põe a seu serviço.
O funcionamento parece difícil de entender, por uma série de mecanismos e de embustes, justamente para esconder o principal, quem controla o Kapital e, por conseguinte, o Estado. As varias adaptações que o Estado sofreu impostas pela Ideologia de seus controladores nos últimos séculos, sendo as maiores transformações e mais marcantes as do século XX, nomeadamente a tentativa de tornar o Estado o “controlador, indutor e distribuidor” da riqueza material da sociedade.
A crise de 1929 acabou sendo fundamental para que esta visão de Estado “totalizante” se estabelecesse como tal, encontrou no pós-guerra o ambiente ideal, a reconstrução da Europa fez emergir o Estado de Bem Estar Social, o sonho do controle de ações e destinos, uma espécie de “inteligência” ou “moralidade” do Kapital que se impunha de forma inequívoca, mesmo no leste europeu, o Estado Kapital ou Capitalismo de Estado se concretiza como força determinante nas relações sociais e econômicas. A racionalidade do Estado, mesmo que a serviço de uma parcela minúscula do Kapital, parecia realizar o sonho de domínio superestrutural das classes e suas lutas, sem nunca abrir da força e coerção sobre os trabalhadores, mas lhe dando benesses nunca antes vista.
O modelo se generalizou nas principais economias mundiais, as mais dinâmicas e estáveis, força motriz da reconstrução da Europa e do surgimento da potência maior, os EUA. Este Estado acabou chegando às demais economias do mundo de forma parcial e com desequilíbrios imensos, com suas burguesias locais submetidas aos interesses externo foram incapazes de efetivar o Estado de Bem Estar Social, como modelo e ideia civilizante. Pela força de ditaduras, a burguesia tentou pelo menos “centralizar e controlar” as ações do Estado, mas justamente no momento de declínio do próprio Estado de Bem Estar Social, com o início das novas políticas liberalizantes.
O Brasil é um caso típico de implantação tardia e parcial do Estado de Bem Estar Social, tanto durante a Ditadura como após ela, com uma constituição que consagrou várias conquistas sociais, imediatamente depois de sua promulgação, os governos seguintes, além de não implantarem as leis e políticas sociais que a Constituição recomendava, trataram de desconstruir o arcabouço legal, com medidas que visavam levar o Brasil para o novo Estado que dominava os EUA e balançava a Europa, o Neoliberalismo.
As medidas não são abstratas, Collor, depois Itamar, fizeram um conjunto de políticas de desregulamentação e desmonte do Estado. Mas com Fernando Henrique Cardoso, um “socialdemocrata”, é que avança definitivamente a quebra do ainda incipiente Estado de Bem Estar Social. As políticas de privatizações, sem contrapartida, financiadas com dinheiro público, criou novos ricos, assim como desconstruiu boa parte do que se tinha de Estado, em particular o avanço de Agências Reguladoras, uma espécie de contrabando legal ao tipo ordenamento jurídico constitucional. Mas mesmo assim o Brasil ficou no meio do caminho, nem virou completamente um Estado Neoliberal, nem acabou com o combalido modelo social implantado.
Os governos do PT são uma contradição a mais neste delicado cenário de transição entre Modelos de Estados. Por um lado Lula/Dilma governaram com a total tutela do Kapital com domínio de todos os instrumentos da Economia, em particular a política monetária, por outro lado teve papel fundamental nas políticas inclusivas, mesmo com todos os limites impostos pelo Estado. As medidas foram “civilizantes” de inclusão de miseráveis ao mercado de consumo, determinado por ele mesmo, não significando uma ruptura com seus conceitos e seus ditames. Mas mesmo assim, os governos do PT, que não foram e nem são os desejados pelo Kapital, por sua fração mais específica, o Kapital Financeiro, sendo portando um entrave.
O Estado Neoliberal passa por uma nova transição no mundo, uma adequação radical devido a grande Crise de 2005, nos EUA e 2007 na UE, o modelo ruiu de forma avassaladora, mas mesmo assim o Kapital Financeiro ao invés de perder poder, ao contrário, ampliou sua força. Tantos nos EUA, quanto na UE, começou a emergir um Novo Modelo, mais bruto e direto, o Estado Gotham City, em que se exige o fim das últimas concessões de Estado de Bem Estar Social sejam suprimidas, aliás, elas se tornaram CULPADAS pela Crise, os gastos sociais e não a orgia dos banqueiros e seus ganhos eróticos.
Precisamente no fim do primeiro mandato de Lula, o mundo começava a entrar na nova fase aguda de Crise e transição, como bem definia, dialeticamente, Marx, que a “Crise superprodução é o fim de ciclo, mas ao mesmo tempo o início de um novo”, apenas neste hiato é que poderia se abrir a vaga das revoluções. As mudanças de qualidade no Estado, mais uma vez comandadas pelo EUA, especificamente pelo FED, seu Banco Central, a principal Agência Reguladora, que ganho força especial nos governos de Reagan e Clinton, agora comandou o socorro aos mesmos banqueiros que deveria “supervisionar”.
A brutal transferência de Kapital para os banqueiros, um socorro de 5 trilhões de dólares, não vieram do nada, mas de um aprofundamento do endividamento público dos EUA, ao mesmo tempo que dividia a conta com o restante do mundo, com os 3 QEs ( expansão da base da moeda), exportando sua dívida e atraindo kapitais. Ao mesmo tempo o amplo desmonte do que tinha sobrado de políticas sociais. O cenário não foi diferente na UE, mas lá é mais visível a desconstrução do Velho Estado de Bem Estar Social, capitaneado pelos banqueiros alemães e franceses, a Europa vive um atoleiro mais perigoso desde a II guerra mundial.
O Estado Gotham City incorpora todas as políticas econômicas do neoliberalismo, suas agências reguladoras, a quebra de governos e municípios sem mais qualquer socorro nacional, uma rígida disciplina fiscal, fim de qualquer vestígio de políticas sociais públicas, incorporando as ONGs e as Organizações da Sociedade Civil como “organização de Estado”. Mas o maior ataque é sobre a Democracia, os governos passam a ter papéis absolutamente secundários diante de um “Estado” imutável, pois as agências não permitem a ingerência dos eleitos, o que sobrará de funções aos governos? Ação parlamentar restrita e ação executiva apenas para implantação da força e ordem. Os elementos dinâmicos de debates e mudanças, o “fim da história” de Fukuyama, em verdade, é o fim da Democracia, como a conhecemos.
Mais uma vez o Brasil, assim como boa parte do mundo, os mesmos que não participaram plenamente do “banquete” do Estado de Bem Estar Social, nem mesmo chegou a viver o pleno purgatório do Neoliberalismo, agora é instado a ir diretamente ao Infernum do Estado Gotham City. A crise da “democracia representativa” tão bem manipulada e é mostrada como o “problema” do Estado, da falência de modelo, fez com que amplos setores comprassem a ideia e há um quase consenso de que é isto que impede o país crescer, se desenvolver, que os políticos e os gastos do Estado são cerne da questão, que ambos podem ser “suprimidos” , e olhem, vejam só, por uma política de Estado pelo “não Estado”, para reduzir os políticos a meras figuras decorativas, como se todos fosse todos apenas “Tiriricas”.
São estes os impasses da conjuntura atual, das eleições em particular, num próximo artigo trataremos do problema eleitoral para a implantação do Estado Gotham City no Brasil.
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