“Zeus obteve por sorte o vasto céu, com sua claridade e suas nuvens” (Homero, Ilíada)
Desde muito tempo que leio alguns clássicos, sem dominar a língua em que originalmente foi escrito, sinto uma perda no sentido exato dos termos, isto se torna pior na poesia, pois ao traduzir versos, a necessária rima, impõe uso de palavras que, em muitos casos, dificilmente se ajusta ao que está na língua matriz. Mas, talvez, não seja o maior dos problemas, o esforço de verter uma poesia é imenso mesmo, as perdas e adequações são inevitáveis, para que, em português em particular, tenham um sentindo geral, não literal do que foi escrito
Para mim, o maior problema são as traduções de livros de língua não latinas ou de inglês, como grego, russo, até alemão, pois, em geral, para aportar no português, usa-se o francês ou italiano como meio. Ou seja, há uma dupla tradução, para que tenhamos em mãos o livro. Um exemplo de clássico que chega a nós por esta via indireta é a Ilíada, raramente há uma tradução direta do Grego, a ideia geral não perdemos, mas as sutilezas do texto, a beleza das alegorias e metáforas são definitivamente esquecidas.
Outra coisa que é terrível, mesmo quando há tradução direta do grego, novamente Ilíada ou Odisseia, como exemplo, são as traduções dos nomes dos deuses e/ou personagens para a forma latina, parece bobo, mas isto deprecia demais o valor e o real conteúdo do nome de cada deus. Esta despreocupação, é própria dos que não estudam a fundo a mitologia grega em comparação a mitologia romana, não é verdade que Zeus seja Jupiter, apesar de parecerem os mesmo a noção encerrada no “nome” é totalmente diferente. Os deuses romanos, são apenas sombra da força do que eram os gregos, a “tradução” já incorpora uma ideologia própria do Estado Romano.
Vejamos o caso na definição de Junito de Sousa Brandão:
“ZEUS, em grego Ζεύς (Zeús), divindade suprema da maioria dos povos indo-europeus. Seu nome significa o que ele sempre foi antes de tudo: “o deus luminoso do céu”. O indo-europeu dieu provém de dei-uo, “brilhante, luminoso”, donde o latim diuus, deus, com o mesmo sentido. Em sânscrito Dyäus, com aposição de pitar, para indicar o “papel do chefe de família”, tem-se Dyäus pitar, equivalente de Ζεύς πατηρ (Zeus patér), “o chefe, o senhor, o pai do céu luminoso”. Em latim, IOU, que provém de *dyew, com a junção de piter (pater), gerou Iuppiter, que tem o mesmo significado que Dyäus pitar. No a.a. alemão Tiu>Ziu se tornou o deus da guerra, aparecendo o mesmo nome igualmente em inglês, sob a forma Tuesday, “o dia de Zeus”. Em francês, “o dia de Júpiter” surgiu primeiramente com a forma juesdi, depois jeudi, que é o latim iouis dies, “dia de Júpiter”. Aliás, os inúmeros epítetos gregos de Zeus atestam ser ele um deus tipicamente da atmosfera: ómbrios, hyétios (chuvoso); úrios (o que envia ventos favoráveis); astrápios ou astrapaîos (o que lança raios); brontaîos (o que troveja)”.
Ora o sentindo grego de Zeus “deus luminoso do céu”, mas a tradução latina, era Ju Piter , o Deus Pai, uma única forma que se perde a essência, não terrena, do grande deus do olimpo. O Zeus grego é ligado aos fenômenos da natureza, atribuídos a ele: Chuva, Ventos, raios e trovejo, claro que Zeus, como já expomos longamente no post : Zeus Pai: O Deus Estado, se torna o senhor dos deuses, o pai , mas é muito longe da redução latina, perfeitamente casada com os interesses políticos, Ju (Iou) Píter.
O Mesmo Junito, tece a crítica, que temos pleno acordo: “Se o Zeus helênico se fez o ditador inconteste do Olimpo, o Júpiter, ao descer para Roma, tornou-se Stator, Iuppiter Stator, quer dizer, o “Júpiter Estator”, que está de pé, firme, como uma “estátua”, em defesa não apenas dos interesses de sua cidade, mas também do império romano”.
Neste mesmo sentido Martin Heidegger( citado por Junito), fundamenta a questão da “tradução” de Roma sobre a Grécia: “É pois verídico, pondera judiciosamente Heidegger, que essa tradução de termos gregos para o latim não é, em hipótese alguma, algo tão inofensivo, como se pensa até hoje. Essa tradução, aparentemente literal (e, por isso mesmo, aparentemente salvaguardante), é, na realidade, uma tra-dução (de trans-ducere, transpor para além), uma transferência da experiência grega para um outro universo do pensamento. O pensamento romano retoma as palavras gregas sem a apreensão original correspondente ao que elas dizem, sem a parole grega”.
Uma lista de Deuses e heróis gregos com sua “tradução” romana
Deuses Gregos | Romanos |
Afrodite (Citeréia, Cípria) ……………. | Vênus (Citeréia, Cípria) |
Apolo (Hélio, Febo, Lóxias, Pítio) | Apolo (Febo, Lóxias, Pítio) |
Ares …………………………………………. | Marte |
Ártemis (Hécate, Selene) ……………… | Diana (Hécate) |
Atená (Palas) ……………………………… | Minerva (Palas) |
Crono ……………………………………….. | Saturno |
Deméter …………………………………….. | Ceres |
Eros ………………………………………….. | Cupido |
Géia …………………………………………. | Terra |
Hades | Dite (Plutão) |
Plutão | |
Hebe …………………………………………. | Juventas (Hebe) |
Hefesto ……………………………………… | Vulcano |
Hera ………………………………………… | Juno, Lucina |
Héracles, Alcides ……………………….. | Hércules (Alcides) |
Hermes …………………………………….. | Mercúrio |
Héstia ………………………………………. | Vesta |
Leto …………………………………………. | Latona |
Moira ……………………………………….. | Fado, Parcas |
Perséfone, Core …………………………. | Prosérpina (Perséfone) |
Posídon …………………………………….. | Netuno |
Réia …………………………………………. | Cibele (Réia) |
Tânatos …………………………………….. | Morte |
Urano ………………………………………. | Céu |
Zeus …………………………………………. | Júpiter |
A belíssima tradução do poeta maranhense da Ilíada, feita ainda no século XIX, serve como curiosidade pelo português da época, assim como a miscelânea do uso dos nomes latinos aos deuses gregos, mesmo a tradução tendo sido feita, diretamente do grego. Por um lado é rica por não ser tradução “dupla” (Grego-latim-português), mas empobrecida quando optou pelo uso latino dos nomes.
Ilíada – tradução Manoel Odorico Mendes
Ainda não li a tradução completa feita por Haroldo de Campos, que parece muito boa, pelos trechos lidos, mesmo achando que ele use de muitas adequações, próprias de um poeta que “recria” o poema clássico. As ótimas traduções direto do grego, para mim, são as de Mario da Gama Kury e de Junito de Sousa Brandão, ambos estudiosos da língua e dos costumes de época.
Li a Ilíada na tradução do Haroldo de Campos há alguns anos, na edição Bilíngue. A tradução é muito boa e as recriações poéticas são lindas. Das outras traduções, só li trechos pequenos, para comparar com essa. Confesso que achava as outras meio pobres…
Com a edição bilíngue, me diverti muito. Eu ficava examinando aquela sopa de letrinhas (me lembrava minhas aulas de física na faculdade) e tentando decifrar o grego clássico ali escondido. Altas viagens :)
Olá, Arnobio!
Não li muito sobre mitologia. Vejo mais documentários…
O último foi sobre o rei Minus.
Obrigada pela dica!
abraços
Mario da Gama Kury traduziu muita coisa, porém, ao que consta, em um período relativamente curto, pois que numa época em que a carência de traduções diretas de clássicos gregos era imensa; suas traduções visavam suprimir de alguma forma isso. Apesar do esforço louvável, as traduções de Kury não são muito bem reputadas, ao menos no meio acadêmico…
Quanto às traduções poéticas da épica ou de dramas, vale dizer que as recriações não são “invenções”, coisa que é muito confundida… Quando se diz de recriação, trata-se de recriação dos aspectos poéticos do texto, como jogos sonoros, cadências etc, mas sem descuidar da semântica. Obviamente que, neste tipo de tradução, as palavras muitas vezes não são literalmente traduzidas, mas nem por isso o tradutor está “inventando”. Aliás, traduções anteriores ao século XIX são, em geral, muito mais “invenções” do que traduções como se entende o conceito hoje.
E, por último, tradução de textos poéticos (sejam épicos, sejam dramas) é sempre uma questão delicada, pois, se se opta pela tradução literal, trai-se a poeticidade do texto, que é tão importante – ou mais – quanto o mero sentido literal das palavras.
Talvez pelo fato de os textos poéticos – os clássicos – serem majoritariamente traduzidos literalmente, e não poeticamente, é que pareçam “sem graça” ou até maçantes a muitos que o leram… Pois, além da distância cultural que separa aquele tempo do nosso (o que acaba sendo certo obstáculo para o leitor), o texto perde todo seu vigor e expressividade poéticos, o que por si só já é um “atrativo”…