
Lendo a Ilíada
(Olavo Bilac)
Ei-lo, o poema de assombros, céu cortado
De relâmpagos, onde a alma potente
De Homero vive, e vive eternizado
O espantoso poder da argiva gente.
Arde Tróia… De rastos passa atado
O herói ao carro do rival, e, ardente,
Bate o sol sobre um mar ilimitado
De capacetes e de sangue quente.
Mais que as armas, porém, mais que a batalha
Mais que os incêndios, brilha o amor que ateia
O ódio e entre os povos a discórdia espalha:
– Esse amor que ora ativa, ora asserena
A guerra, e o heróico Páris encadeia
Aos curvos seios da formosa Helena.
Algumas vezes escrevi sobre Ilíada e Odisseia no blog, aliás, estes livros foram os primeiros que escrevi resumo aqui, depois apresentei dois pequenos estudos analíticos sobre eles. Um sobre a visão política e outro psicológico, estão assim distribuídos:
- Ilíada – Ficha de resumo(1996)
- Odisseia – Resumo
- Análise de Ilíada/Odisséia – Visão Política
- Análise de Ilíada/Odisséia – Visão Psicológica
Busquei localizar os poemas em seus vários contextos, ajudando aos que se interessam pelo tema, mais subsídios e informações. E, quem sabe, despertando a curiosidade para os que não as leram e tem vontade, talvez um empurrãozinho os faça ler.
A leitura não é fácil, mas a beleza dos versos vale o esforço, a Ilíada começa assim:
“Canta, ó deusa, a ira funesta de Aquiles Pelida, ira
que tantas desgraças trouxe aos Aqueus e fez baixar ao Hades
muitas almas de destemidos heróis, dando-os a eles mesmos
em repasto aos cães e a todas as aves de rapina: cumpriu-se
o desígnio de Zeus, em razão da contenda, que, desde o início,
lançou em discórdia o Atrida, príncipe dos guerreiros, e o divino Aquiles”.
A ira do grande guerreiro, Aquiles, é apresentada já no primeiro verso e todas as consequências, com o destino funesto dos gregos que longe seus lares por quase dez anos, agora se veem no meio de uma divisão entre seus comandantes. O Maior dos seus heróis, de força descomunal, o valoroso Aquiles, entra em choque com Agamenon, o comandante em chefe das armadas gregas. Homero atribui à Zeus a discórdias entre os dois heróis. São versos maravilhosos, precisos, fortes e eloquentes. Os que se seguem explicam o motivo da vingança de Zeus.
“Qual dentre os deuses eternos, foi causa de eles brigassem?
o que de Zeus e de Leto nasceu,que, com o rei agastado,
peste lançou destruidora no exército. O povo morria,
por ter o Atrida Agamenon a Crises,primeiro, ultrajado,
o sacerdote. Este viera,até às céleres naus dos Aquivos,
súplice, a filha reaver.Infinito resgate trazia,
tendo nas mãos as insígnias de Apolo, frecheiro infalível,
no cetro de ouro enroladas”.
O altar de Apolo fora violado pelos gregos, além de levar consigo as servas do Deus, entre elas a filha do rei Crises, a bela e virginal princesa Briseide, que era consagrada ao deus, no seu templo. O pai desolado tenta reaver a filha, mas Agamenon, não a devolvi, ainda o ameaça, que ele também seria escravo. Desesperado, Crises, toma o caminho de casa, no mar pede aos protetor, Apolo, que lhe vingue a desonra, que os gregos paguem caro a violação do templo, o sequestro de uma serva, que era filha de um rei, agora tornada escrava. O Deus Apolo, ouve seu devoto, leva ao pai dos deuses, seu próprio pai, Zeus, a reivindicação, que é prontamente atendido.
Este é um pequeno exemplo da grandiosidade deste poema tão importante, que funda toda uma nova poesia, e traz ao mundo a figura de Homero, assim definida por Werner Jaeger na monumental Paidéia: “O fato de Homero, o primeiro que entra na história da poesia grega, ter-se tornado mestre da humanidade inteira demonstra a capacidade única do povo grego para chegar ao conhecimento e à formulação daquilo que une e move todos nós” . Quanto mais lemos os clássicos, aqui, no caso, Ilíada, descobrimos a riqueza dos versos, o sentimento de um povo, que tanto nos liga a um passado tão longe e tão próximo de nós.
Para além, Jaeger, assinala que : “O pathos do sublime destino heroico do homem lutador é o sopro espiritual da Ilíada”. Incrível em uma frase como se encaixa na beleza extraordinária de um livro tão denso, que nos remete à lutas, carnificinas, mas a paixão que salta do versos é a que pulsa no coração dos homens, independente da época histórica, tão remota ou tão presente.