1635: O Poço


O Poço é perturbador, incomoda e faz refletir.

“O que importa é que sem a ver o acrediteis, confesseis, afirmeis, jureis e defendais; quando não, entrareis comigo em batalha, gente descomunal e soberba” (D.Quixote – Miguel de Cervantes)

É uma poesia e uma metáfora.

Os níveis da consciência e do inconsciente que se cruzam numa moral cristã e maniqueísta, bem e mal, que vão convivendo e destruindo, ou melhor, inter-relacionados no constante estado brutal de necessidade. O que deve prevalecer, a formação social ou a sobrevivência do animal, que habita as estranhas humanas, o seu desejo carnal, literal, a fome que o empurra para o precipício, da próxima vala.

A questão desse grande filme, O Poço, dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, nascido no país Basco, é como as convicções, os valores e dogmas sobrevivem ao terror da luta pela vida, num ambiente que alterna escassez e excessos. A luxúria pornográfica da comida ou a falta completa dela, não restando nada a não ser, o próprio corpo e o sangue.

A construção é quase um labirinto, não há entrada, como também não há saídas, a chegada ali é voluntária ou condenação, quem entra terá que radicalizar sua existência, para uma redenção da pena ou auto-exílio. O monstro é invisível, a dor e o prazer, são invisíveis, tudo se processa nos estágios da psiquê, suas prisões e liberdades, seus desejos sexuais e sua sede de sangue.

O messias, o salvador, aquele que dará seu sangue e seu corpo, para redenção dos pecados, o escolhido, naquele jogo iniciático, dos que descem à caverna ,a catábase, a queda, o mais profundo cair, com a esperança, tola  ou vã, de que haverá uma subida, anábase, a salvação dos homens e dos males, nas piores condições de existências.

As tentações e a compulsão dos desejos, mortais ou sexuais, ou de ambos fundidos no vermelho/sangue, nas vozes que apontam que não há mais pureza, exceto se comer a carne e beber do sangue, a dualidade entre vida e morte, transformada entre extremos, sem conexão, quando essa, na verdade, é o próprio homem.

Os diversos símbolos e simbologias estão dadas, que vão do Cristo ao sonhador (comunista, você é comunista?) e renascente Dom Quixote, são encarnados nas imperfeições de Goreng (vício e preguiça), o excelente ator Iván Massagué. A paixão de Cristo e a paixão do Quixote, por uma Dulcineia enorme (Miharu -Alexandra Masangkay), que é mãe, mulher e fêmea.

O filme é perturbador pois nos expõe a sociedade moderna num nível de desagregação, resumida assim: Há três tipo: Os de Cima, os de baixo e os que caem. A miséria humana e consciente/inconsciente, produzem alucinações, perversões, medo, como também esperança, solidariedade e atitude.

A ironia de ver o filme no meio de um isolamento forçado, dá um “plus” a mais.

Simplesmente Imperdível.

 

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