Arnobio Rocha Diário de Redenção 22 Anos – In Memoriam de Letícia

22 Anos – In Memoriam de Letícia


A ligação que não se quebra, ainda que não mais fisicamente presente.

“My heart is yours
It’s you that I hold on to
That’s what I do
And I know I was wrong
But I won’t let you down”
(Sparks – Coldplay)

Sobre quase todos os ângulos, procurei descrever Letícia. Entretanto, descubro alguma coisa a mais, para continuar entender quem ela é e como foi tão grande, na sua curta vida, que tão breve nos deixou, fisicamente, mas permanece viva em cada coisa que penso, elaboro, a influência é forte demais, inspira, tantas vezes me redime, pois convivi e de alguma forma sou parte dela.

Hoje completaria 22 anos, minha cabeça busca, ano a ano, as lembranças de cada um deles, o retorno é para o primeiro dia, naquele sábado nervoso de 20.09.1997, a primavera chegou mais cedo, às 16:16, no São Luís, aquela pequena garota chorou a primeira vez, sem muito custo, mamou com fome, enquanto a Dra. Nara, custurava as varia camadas da cesárea, ela docemente interagia com a Mara.

A ligação física, conexão comigo e com a mãe, foi por toda sua vida, de forma quase sempre terna, pois não gostava de brigar, de discutir, mas de se achegar, ali, em qualquer lugar, ficar em contato, sentir nossa presença, saber que estávamos presentes. Raramente havia estranhamento, zanga, era docilidade, um sorriso, de criancinha até mulher, fazia de tudo para nos acompanhar.

Extremamente atenta, resoluta, aprendia rápido, filtrava e tinha comentários cortantes, fruto dessas observações, surpreendia pelas palavras, ainda muito criança, mais ainda, quando adulta.

De certa forma, a leucemia, na primeira vez, com quase 13 anos, antecipou fases, mostrou a dureza da vida, para nós, enquanto ela meio assustada, sem entender bem, enfrentava com uma coragem incrível e determinação que nos assombrava.

Em momentos terríveis, efeitos alucinógenos dos remédios, ela permanecia quieta, na cama, em claro, sem nos chamar, para não atrapalhar nosso sono.

As suas atitudes eram fortes, decididas, foram tantas, muitas já contei aqui, repito porque é preciso muita coragem para viver em situação tão adversa, a vida e morte, eram tão próximas, as dores tão terríveis de tratamentos brutais, com mais de 150 sessões de quimioterapia, 30 e tantos exames de líquor, sem anestesias, dezenas de mielogramas, centenas exames de sangue.

E mesmo assim, depois de cada procedimento, ou ela ia para escola, ou ia para USP, quase sempre dirigindo, como algo normal, era espantosa sua dedicação e firmeza espartana.

Lê viveu intensamente, aquilo que a vida lhe permitiu viver, por um tempo tão pequeno, talvez isso nos deixe tão frágeis, dói tanto, porque somos incapazes de entender que a vida é uma centelha, um piscar de olhos. Era brilhante e convencida de suas enorme capacidade e de ser exemplo, de mostrar força, de perseverança e de ser tão boa companheira, amiga, ouvia, sem esperar que lhe ouvissem, sobre as tantas dores que enfrentou.

O dia, essa semana, tem sido de grande provação, sobre o que somos, o que queremos da vida, para quê vivemos, talvez por ela nunca ter desistido de lutar, nos impulsione a seguir.

O seu legado é gigante, uma das grandes mudanças provocadas em mim, foi a decisão de viver o simples, o básico, o essencial, sem nenhum tipo de vaidade, de ambição desmedida, apenas manter a dignidade e respeito aos demais.

Obrigado, Lê, não é fácil lidar com a saudade. De tudo e mais um pouco.

 

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