Arnobio Rocha Política 2: Presidencialismo à Francesa: Lula Presidente, Dilma Primeira-Ministra (2 – 2/2009)

1: 2: Presidencialismo à Francesa: Lula Presidente, Dilma Primeira-Ministra (2 – 2/2009)

 

 

 

Presidencialismo à Francesa: Lula Presidente, Dilma Primeira-Ministra

Meu velho avô dizia que “não há mal que não seja tão mal, que não tenha um bem”. Sem analisar detidamente os vários aspectos do que se convencionou chamar a “crise do mensalão”, percebo que efetivamente daquele episódio é que surgiu o Governo Lula, em particular o maior ajuste de poder não regulado por normas que tenha visto. Daquela crise surge um modo particular de gestão em que Lula passa a exercer a presidência de fato se qualquer tutela ou amarras, e nomeia efetivamente Dilma Rousseff um presidente de conselho de ministros.

Analisando os principais ganhos do Governo Lula até meados de 2005, efetivamente o grande mérito foi não ter caído, por dois aspectos: 1) A herança maldita de FHC e 2) as grandes expectativas depositadas nele.

Herança FHC

 

A maior herança do FHC foi um estado falido, sem reservas cambias, expectativa inflacionária crescente, havia previsões de até 30% em 2003, taxa de juros em 23,5%, cambio de 1 US$ equivalia R$ 4,04, risco país em 2400 pontos, a falência levara ao apagão por incapacidade produtiva. Os principais ministérios apenas cumpriam funções simbólicas, tendo o Estado sido “terceirizado” para agências reguladoras e todas as agências capturadas por aliados do antigo governo. O que sobrou do sucateado estado brasileiro tinha uma gama de terceirização escandalosa.

Destas breves linhas depreende-se que o novo governo começa administrar uma máquina que tem pouco controle e domínio, a própria inexperiência de Governo Central joga contra Lula. O grande desafio era não cair em 6 meses como maquinavam FHC e seus aliados, este só se mudou de Brasília em fins de junho de 2003, achando que o governo cairia e ele seria chamado para “salvar”o Brasil.

As grandes Expectativas

 

Lula chega ao poder central depois de 25 anos das grandes greves do ABC que o projetara como grande líder de massas, não forjado em escolas tradicionais de sindicalismo comunista. Ele forja-se como peão que cresce dentro de uma fábrica num regime de exceção cujas liberdades sufocantes é a mola mestra do crescimento econômico, mas na segunda metade dos anos 70 os militares já não davam conta nem do crescimento econômico, bombardeado pela crise do petróleo, muito menos das demandas sociais por liberdade política. A esmagadora vitória do MDB em 74 e 78 prepara um novo ambiente.

As greves de 78/79 lideradas pelo metalúrgico até então desconhecido, são o tiro que faltava para deflagrar o grande movimento pela anistia, liberdade política. Em 80 a ultima tentativa dos militares foi liberar os partidos, com claro objetivo de dividir as oposições, daí surge a grande novidade política do Brasil, o PT.

Sem muitas delongas, este não é objetivo aqui, o PT se forja como a opção vinda da classe trabalhadora mais vitoriosa do país, desde seu inicio identifica a necessidade de chegar ao poder, e nove anos depois chega ao segundo turno da eleição presidencial deixando para trás lideranças expressivas como Brizola e Ulisses. Lula se consolidará como alternativa de poder nas próximas eleições, carregando consigo todo um simbolismo de lutas sócias e transformações.

Talvez lidar com estas grandes expectativas seja a parte mais complexa da montagem do governo inicial, como atender demandas reprimidas num ambiente econômico tão ruim?

2003-2005 Apenas lutar para sobreviver

Desde a montagem da equipe e de algumas medidas houve acertos óbvios e erros clamorosos inoperantes. A equipe econômica não poderia fugir da lógica do mercado, não havia qualquer espaço de manobra e as medidas tomadas foram coerentes com o momento para dar fôlego futuro: 1) Exportações; 2) controle da inflação; 3) aumento do salário mínimo acima da inflação, nada mais podia ser feito de substancial.

Do ponto de vista social o grande acerto foi o lançamento da “Fome Zero” era mais que uma marca, um compromisso para aquele tempo, mas faltou gestores que entendessem profundamente como montar um programa social tão amplo.

Do ponto de vista político a não vinda do PMDB ao governo causou graves transtornos ao governo mesmo sendo vitorioso na eleição majoritária o governo era ampla minoria no congresso o bloco efetivo que venceu a eleição só tinha 192 deputado e pouco mais 20 senadores.

Os operadores políticos de Lula foram para tática de ganhar apoio no varejo e em bases partidárias que não tinham compromissos algum com o projeto, a troca de favores e futuros financiamentos de campanha virou a moeda de troca, notadamente com o PTB de Roberto Jefferson, que foi o partido escolhido para desembarcar estes “apoios”. A lógica traçada por Zé Dirceu deste tipo frágil de apoio desembocará no Mensalão, o valerioduto criado pelo PSDB mineiro, foi amplamente usado pelos operadores Petistas, a grande diferença é que, no caso mineiro não havia interesse em denunciá-lo. No caso de Brasília tornou-se o escândalo nacional, a mídia amplificou as denuncias, CPIs e toda sorte.

Por um erro tático de FHC e aliados, que achavam que Lula iria sangrar em praça publica e desagregar seu governo, ele não foram à frente com o impeachment. Por esta lógica qualquer candidatura de oposição bateria Lula no primeiro turno, este foi refresco melhor que Lula poderia receber.

2005-2006 A grande virada

Com a saída de Zé Dirceu do Governo, Lula teve as rédeas totais do seu destino, não sei se consciente ou não mas as escolhas para reconstruir o governo foram decisivas, em particular a de Dilma para Casa Civil.

Fator Dilma

 

Ninguém prestou atenção quando Lula nomeou Dilma para Minas e Energia, o único fato relevante era que ela fora guerrilheira, presa política, torturada e que depois no RS se tornara economista e tinha sido uma importante gestora do Governo Olívio Dutra.

No Ministério da Minas e Energia revelar-se uma grande gestora, do país sem energia, com déficit absurdo que fazia com quem não se pudesse ousar em qualquer crescimento econômico, pois a energia estava sob racionamento, ela consegue reverter o quadro de forma rápida e eficaz, sem prejudicar a população, pois esta não foi chamada para pagar a conta, diferentemente dos impostos anti-apagão de FHC.

A ida dela à  Casa Civil muda completamente a lógica de funcionamento do Governo, sua dinâmica, perspicácia, dureza começa a dar uma outra cara administrativamente ao governo. Na pratica Dilma converte-se em Ministra chefe, liberando Lula das tarefas cotidianas e sendo a figura publica necessária ao seu governo.

Modelo Francês

O presidencialismo francês tem no seu presidente a figura política publica interna e externa, representa o estado francês internacionalmente, sendo o Primeiro-Ministro o chefe de Governo da maioria parlamentar, convivendo os dois de mesmo partido ou de partidos diferente, mas o partilhamento de poder é previsto constitucionalmente

O presidencialismo brasileiro foi forjado no modelo americano de poder, com o presidente exercendo dupla função: Política e Executiva. Concentrando neste todas as decisões de Governo e de Estado.

Moldado nesta lógica imperial, todos os presidentes anteriores conformaram-se confortavelmente neste duplo papel, cuja visão autoritária caia bem em caudilhos, militares e vaidosos que por lá passaram. Mesmo a nossa pequena experiência de presidencialismo partilhado, não serve de parâmetro para melhor analise.

Com a nova conformação de governo, Lula, não sei se consciente ou não, delegou a Ministra Dilma todas as funções principais de gestão. Ela lidera as reuniões ministeriais, controla os principais projetos administrativos, faz a “cozinha” política, age por assim dizer como uma verdadeira primeira ministra.

Este foi o maior ganho da gestão Lula, a experiência mais bem sucedida de partilhamento de poder, baseado na confiança mutua. Lula encontrou em Dilma a gestora séria, dedicada, com autoridade de dirigir o time, capacidade cobrar resultados, tirar o melhor de cada ministro e levar adiante a maquina publica.

Com este acerto Lula ficou livre para desempenhar com galhardia a missão principal do presidente: fazer política, animar a população para seus projetos, envolver o país com o seu destino, mostrar ao mundo o que o Brasil. Nisto Lula é craque inconteste, sua imensa capacidade de comunicar-se, desde o mais humilde faminto até presidente, reis, passando por intelectuais, esportista.

Lula, livre de atribuições pesadas administrativas, sendo bem delegadas e tocadas no dia-a-dia por Dilma chegou a uma situação incomum em que Presidente e Governo são muito bem avaliados, creio que foi este acerto incomum na política brasileira que chegamos a este resultado.

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0 thoughts on “1: 2: Presidencialismo à Francesa: Lula Presidente, Dilma Primeira-Ministra (2 – 2/2009)”

  1. Maravilhoso texto Arnobio! Sua introdução histórica mesmo que breve, tornou o post muito mais interessante!

    A ministra Dilma é uma das mulheres mais fascinante e admirável que esse país produziu e certamente entrará para os anais da História não só como uma grande e competente gestora, como também uma perspicaz estrategista.

    E sem comentários para o nosso presidente! Um líder carismático, articulado, um visionário e acima de tudo um humanista! Certamente não faz milagres, quem conhece política de perto como você, sabe exatamente o que isso quer dizer! Todavia, ele com certeza tem muito mais compaixão e amor por esse povo tão sofrido e que foi por demais maltradado no passado, esse é seguramente o seu grande diferencial!

    O resto, bem, o resto são os jogos dos bastidores do poder, faz parte, ainda somos um país jovem e aprendendo a cada governo eleito o que exatamente queremos como nação justa, próspera e alinhada com o interesse da maioria e não de uma minoria. Que venham muitos mais “Lulas” nas futuras gerações!

    E aproveitando o embalo das análises políticas, gostaria de pedir como tema para um futuro post falar do papel do nosso vice-presidente José Alencar!

    Parabéns, vida longa e próspera ao seu blog que já está favoritado aqui!

    Grande beijo!

  2. Concordo com sua análise das fases do governo. Zé Dirceu no meu entender, principalmente no início do primeira mandato, foi o grande construtor da estrutura de poder do governo Lula. Imagine o que é alterar, após 8 anos de PSDB, as peças principais e secundários nos ministérios, secretárias, autarquias, estatais, etc… Isso despertou a ira dos mais diversos setores. Quanto a maneira de você enxergar a Dilma, como a grande primeira-ministra é perfeita.Abraço.

  3. Que bom ver o registro dos fatos históricos do Brasil, de forma objetiva e sincera.
    Não se preocupe com audiência ou pouco leitor. Te digo isso porque no meu blog fiquei no início frustrado pela pouca presença. Hoje não tô nem ai – meus filhos lêem, meus amigos e volta e meia dou uma passadinha por lá e revejo minha vida. Blog e Twitter pra mim serve tb como diário de vida.
    E as nossas histórias de vida merecem ficar registradas. Já adicionei seu blog como favorito. Abç fraterno e continuamos juntos.

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