1261: Finitudes


O tempo, o tempo...

O tempo, o tempo…

Sempre sonhei que uma música imortal não findasse naqueles poucos minutos em que foi gravada, que pudesse ter uma estrofe, dois versos a mais, quem sabe alguns acordes, apenas pelo prazer de que algo a mais acontecesse, para aplacar a sensação de finitude, aquele momento que silenciosamente a música termina, ou no instante em que lemos a última frase de um livro inesquecível.

Dominar esse sentimento de que tudo se acaba, que o mágico (ou trágico) momento de ouvir, ler algo espetacular e que não se prolongará mais. Um luto emocional nos domina, no meu caso, fico dias sem entender a razão de que não há um pós-escrito, um som baixinho que seja, para que a música ainda possa vibrar um pouco mais, algumas vezes ouvindo em LP arranhado ela se prolonga mais, um átimo, um último prazer, inenarrável.

É claro que um cantor, uma banda faz uma versão longa, Pink Floyd tantas vezes recriou suas próprias músicas, diferentes do registro “oficial”, mas quase sempre sem acrescentar uma estrofe, ou um novo verso, é como se a dor apenas tivesse sido maior, assim como em Wish you were here, tantas vezes acrescida, sem ter crescido efetivamente.

Há raros casos de introdução de versos/acordes que me emocionaram, como a de A Whiter Shade of Pale, de Procol Harum, com uma sequência de lindos e bem encaixados versos, ou versão estendida da magnifica Canção de Amigodo genial Elomar, pois há ali uma acentuada diferença entre o dois álbuns,  Cantoria 1 e o 2. Como aceitar que Chão de Giz, do Zé Ramalho pode ser finita, ainda que cantada como no Grande Encontro?

Mas jamais terei uma pequena continuação de Going to California, do Led Zeppelin, contento-me com umas versões de Robert Plant à frente do Led (essa música tão ouvida pelas minhas filhas, ainda no berço). Muitas vezes aprecio e viajo com as releituras de clássicos, como Paralelas, de Belchior, feita pelo Erasmo Carlos, ou As curvas da estrada de Santos , com a potência, meio Jazz ou meio Soul, de Elis Regina.

Mas não teremos uma única frase a mais no Hamlet, de Shakespeare, caso quase único de que nada mais precisará ser escrito ou dito, pois tudo ali se fechou em si mesmo, cabendo a nós ler e reler, sem que dor da perda nos consuma. Mas as lágrimas me assaltam ao fechar A Mãe, de Gorki, ou com fim Capitães de Areia, de Jorge Amadopor não acreditar que são as linhas que não se seguirão mais.

A literatura, a música, assim como a vida tem sua dialética própria que nossa metafísica jamais vai aceitar ou digerir, quando o ciclo se fecha. O luto é real, é humano demais.

whiter shade of pale (both extra verses) – Procol harum

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=PYBqv3NIqho[/youtube]

Pulse(2): Pink Floyd – Wish You Were Here 1995

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=lUfqPPIHmCE[/youtube]

Led Zeppelin-Going to California Live

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=BAQeZNjmJDA[/youtube]

ZÉ RAMALHO, ELBA RAMALHO & GERALDO AZEVEDO – CHÃO DE GIZ

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=BalqdJ7ykm8[/youtube]

Cantoria 2 – Cantiga De Amigo

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=Y1DobF_Ok-8[/youtube]

Paralelas – Erasmo Carlos

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=iSpPh0Axa0c[/youtube]

Elis Regina – As curvas da estrada de Santos

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=n7ZmESRj_Rk[/youtube]

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