Arnobio Rocha Reflexões Romaria, Indulgência e JMJ

881: Romaria, Indulgência e JMJ

Dante Alighieri era um rebelde florentino que se opunha à ocupação de Florença pelas forças do Papa Bonifácio VIII,  foi enviado a Roma numa missão de paz, pouco depois do famoso “Jubileu Cristão”. O Jubileu foi instituído pelo Papa Bonifácio VIII através da bula Antiquorum fide relatio. Naquele ano de 1300 levou milhares de peregrinos à cidade, para visitar o túmulo de São Pedro. Quem ali fosse, recebia indulgência extraordinária, limpando seus “pecados” das mais diversas espécies. O termo “Romaria” foi cunhado para definir a imensa procissão a Roma.

Muitos anos depois, Dante, retrata o Papa em situação vexaminosa no Inferno, no oitavo círculo por praticar Simonia, que segundo a Wikipédia é “a venda de favores divinos, bençãos, cargos eclesiásticos, prosperidade material, bens espirituais, coisas sagradas, objetos ungidos, etc. em troca de dinheiro. É o ato de pagar por sacramentos e consequentemente por cargos eclesiásticos ou posições na hierarquia da igreja”.  Boccaccio, no Decameron, também irá tratar de forma crítica a atitude papal e a situação da Igreja naquele ano.

As marchas de peregrinos naquele primeiro “Jubileu Cristão” deu ainda mais poder ao Papa, que além de arrecadar muito dinheiro, reforçou sua autoridade, entretanto ganhou mais inimigos, entre eles o Rei da França, Felipe IV, que derrotou as forças do papa em 1303 e exigiu sua renúncia, pouco depois, Bonifácio, faleceu, o papado foi transferido para Avignon, na França. O sucessor, Clemente V, aceitou o julgamento pós-morte de Bonifácio, atendendo a imposição do rei francês.

As Romarias, peregrinações se tornaram rotina, sendo o jubileu marcado a cada 50 anos, a busca por indulgência dos pecados acaba por levar 200 anos depois à primeira cisma grave da igreja, pela reforma protestante. Em síntese, não se opunha aos perdões, mas a forma de comércio em torno dele. Eram famosos os negociadores dos perdões especiais, mais uma vez, na Wikipédia dia que no “final da Idade Média viu o crescimento considerável de abusos, tais como a livre venda de indulgências por profissionais “perdoadores” (quaestores em latim). A pregação destes, em alguns casos era falsa, atribuindo às indulgências características muito além da doutrina oficial, alguns afirmaram que “Assim que uma moeda tilinta no cofre, uma alma sai do purgatório”.

Apenas em 1562, no concílio de Trento, na contrarreforma católica, saiu uma resolução definitiva, no texto da Wikipédia: “Na concessão de indulgências, o Concílio deseja que a moderação seja observada de acordo com o antigo costume aprovado da Igreja Católica, contra a facilidade excessiva e o enfraquecimento da disciplina eclesiástica, e ainda mais, buscando corrigir os abusos que se infiltraram nesta… decreta que todo o ganho criminal ligado com ela deve ser considerado como uma fonte de abuso grave entre os fiéis, como outras doenças decorrentes da superstição, ignorância, irreverência, ou qualquer outra causa… o Concílio estabelece que cada bispo tem o dever de descobrir os abusos, tais como existem em sua própria diocese, trazê-los para o sínodo provincial, e denunciá-los, com o consentimento dos outros bispos, ao Romano Pontífice, em que será tomadas medidas com autoridade e prudência para o bem-estar da Igreja em geral, de modo que o benefício das indulgências possa ser concedido a todos os fiéis por meio de uma via piedosa, santa, e livre de corrupção”.

Como o mesmo texto fala, não houve sucesso em tal resolução, pois ”a ação dos quaestores continuou, assim o Concílio ordenou que estes deviam ser totalmente abolidos, e que as “indulgências e outros favores espirituais de que o fiel não deve ser privado”, devia ser dado pelos bispos de maneira gratuita, “de modo que todos pudessem finalmente compreender que estes tesouros celestes foram dispensados por causa da piedade e não do lucro” (Sess. XXI, c. ix). Em 1567, o Papa São Pio V cancelou definitivamente todas as concessões de indulgências, envolvendo quaisquer taxas, ou outras transações financeiras”.

Desde 1500, o Jubileu católico passou a ser feito de 25 em 25 anos, o último realizado em 2000, comemorou os 500 anos de sua periodicidade. Com ou sem indulgência, o “ano santo” ou jubileu, continua a levar milhões de pessoas à sede papal, agora o Vaticano. O deslocamento imenso de pessoas de todo o mundo ao seu centro de fé, a palavra Romaria passou a definir tal ato, local ou ao centro. Dante, no Paraíso, retrata mais uma vez a sua visão daquela multidão que se dirigia a Roma. A crítica ficção, não estava nada a dever aquela realidade.

Aqui no Brasil, assistimos, nestes dias, aos eventos da “Jornada Mundial da Juventude” (Católica) com a presença do Papa Francisco, mas com o mesmo sentindo de deslocamento de milhões de jovens de todas as partes do mundo, conscientes ou não, repetem os passos de mais de 700 anos, o que na prática católica mudou? O ato é de fé, ainda existe a indulgência, paga ou não paga? O que estes jovens do Século XXI buscam?

Da minha parte, sou um apaixonado pelo caminhar das pessoas, não importa a fé que professem, então vejo com olhos positivos este ir e vir de jovens, sem deixar de ser crítico ao comércio e tudo mais que envolve qualquer grande evento. Entretanto, devo dizer que é importante às pessoas do mundo se encontrar, conhecer pessoas e ideias, iguais ou diferentes, assim moldam sua personalidade. Óbvio que a cartilha é do pensamento conservador do Vaticano, mas a energia que gera, jamais é conservadora.

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