Arnobio Rocha Mitologia Zeus Pai : O Deus Estado(Nova Versão)

834: Zeus Pai : O Deus Estado(Nova Versão)


Zeus - o Pai dos deuses e dos homens.

Zeus – o Pai dos deuses e dos homens.

 

Zeus – o Pai dos Deuses

 

Zeus, o deus dos deuses para os gregos, representa o mais alto grau da evolução da Teogonia ou cosmogonia grega. Conforme vamos estudando os deuses gregos em seus vários estágios, as imensas e sangrentas disputas pelo poder entre os deuses primevos (Urano, Crono). Zeus assume como o Deus que porá ordem no universo e nas relações dos homens. Bem observa, Junito de Souza Brandão, sobre a visão de que os poetas gregos têm de Zeus:

“Hesíodo, no entanto, Zeus simboliza o termo de um ciclo de trevas e o início de uma era de luz. Partindo do Caos, da desordem primordial, para a Justiça, cifrada em Zeus, o poeta sonha com um mundo novo, onde haveriam de reinar a disciplina, a justiça e a paz.”

Ou

“Homero sintetiza o caráter celeste do grande deus indo-europeu: Zeus obteve por sorte o vasto céu, com sua claridade e suas nuvens.”

Continuando com Junito na sua ampla definição do significado da palavra Zeus em várias línguas e seus epítetos “ZEUS, em grego Zeus (Zeús), divindade suprema da maioria dos povos indo-europeus. Seu nome significa o que ele sempre foi antes de tudo: “o deus luminoso do céu”. O indo-europeu dieu provém de dei-uo, “brilhante, luminoso”, donde o latim diuus, deus, com o mesmo sentido. Em sânscrito Dyäus, com aposição de pitar, para indicar o “papel do chefe de família”, tem-se Dyäus pitar, equivalente de Zeus pater (Zeus patér), “o chefe, o senhor, o pai do céu luminoso”. Em latim, IOU, que provém de *dyew, com a junção de piter (pater), gerou Iuppiter, que tem o mesmo significado que Dyäus pitar. No a.a. alemão Tiu>Ziu se tornou o deus da guerra, aparecendo o mesmo nome igualmente em inglês, sob a forma Tuesday, “o dia de Zeus”. Em francês, “o dia de Júpiter” surgiu primeiramente com a forma juesdi, depois jeudi, que é o latim iouis dies, “dia de Júpiter”. Aliás, os inúmeros epítetos gregos de Zeus atestam ser ele um deus tipicamente da atmosfera: ómbrios, hyétios (chuvoso); úrios (o que envia ventos favoráveis); astrápios ou astrapaîos (o que lança raios); brontaîos (o que troveja). Nesse sentido, diz Teócrito que Zeus ora está sereno, ora desce sob a forma de chuva.”

Zeus e suas provações

Crono havia destronado do poder seu pai, Urano, cortando-lhe o Pênis, muito mais do que simbólico, ao perder o poder fálico, o deus perde o poder de fertilizar em abundância, ficando sem a sua maior função vital, a fecundidade. Crono, também teme ser destronado por um filho mais forte, então, com ajuda de sua esposa Réia, passa a engoli-los quando são ainda recém-nascidos. Porém, quando Zeus nasce, sua mãe dar uma pedra enrolada num cueiro a Crono que a engole. Salvo da fome paterna, Zeus é levado por sua mãe, Réia, ao Monte Ida (Creta) e lá será criado numa caverna pelos Curetes, sendo amamentado pela cabra Amaltéia. Sendo esta a primeira parte do Rito iniciático do Grande Deus.

Quando atinge a idade adulta, O jovem Zeus vai enfrentar seu pai, para isto, liberta seus irmãos e Irmãs que foram engolidos pelo pai e juntos enfrenta os tios Titãs, com ajuda dos Ciclopes e os Hecantoqueiros que são soltos do Tártaro por Zeus e os irmãos para ajudar na luta, conhecida como Titanomaquia. Estes agradecidos dão os raios e os trovões a Zeus, o capacete da invisibilidade a Hades e o Tridente para Posídon. Juntos com estes novos poderes eles derrotam os titãs depois de 10 anos de guerra.

Por sorteio cada um recebe um reino para administrar: Zeus caberá o Céu e a supremacia, Hades recebe o reino subterrâneo ou Hades(Infernum – a mansão dos Mortos) e Posídon o Mar. Porém,  Géia revoltada com a prisão dos Titãs no Tártaro, lança contra eles primeiro os gigantes depois o poderoso Tifão.

Estas lutas simbolicamente representam o Novo contra a velha ordem, para se estabelecer é preciso lutar longamente contra os seus males interiores, velhos, seus fantasmas e seus medos. Enfrentar a família, o poder estabelecido e a sociedade conservadora.

A última prova enfrentada por Zeus é contra o poderoso Tifão, que era uma espécie hibrida de vários monstros, serpentes, era alado e muito poderoso, chega a prender Zeus numa caverna (regressus ad uterum – Regresso ao útero – A Catabase) mutilando-o gravemente. Com a ajuda de Hermes e Pã, ele se “recompõe” (ressuscita – Anabase) e derrota finalmente Tifão, enterrando –o na Sicilia e jogando sobre ele o Etna, que até hoje lança suas larvas.

 

Zeus Pai: Par e ímpar

Junito nos faz uma brilhante explicação sobre o caráter iniciático da ascensão de Zeus ao poder, detalha inclusive a relação entre mutilação e poder UNO: “Para se compreender bem a mutilação é mister fazer uma dicotomia, uma distinção entre mutilação de ordem social e mutilação ritual. Se entre os Celtas o rei Nuada não mais pôde reinar por ter perdido um braço na batalha e o deus Mider é ameaçado de perder o reino, porque acidentalmente ficou cego de um olho, trata-se, em ambos os casos, de um aspecto apenas social do problema. O sentido ritual da mutilação é bem outro. Para se penetrar nesse símbolo é bom relembrar que a ordem da “cidade” é par: o homem se põe de pé, apoiando-se em suas duas pernas, trabalha com seus dois braços, olha a realidade com seus dois olhos. Ao contrário da ordem humana ou diurna, que é par, a ordem oculta, noturna, transcendental é UM, é ímpar. O disforme e o mutilado têm em comum o fato de estarem à margem da sociedade humana ou diurna, uma vez que neles a paridade foi prejudicada. Numero deus impari gaudet, o número ímpar agrada ao deus, diz o provérbio, mas an odd number significa também em inglês um “tipo estranho, um tipo incomum”, e a expressão francesa il a commis un impair significa que alguém “cometeu uma inconveniência”, “fez asneira”, transgredindo, por leve que seja, a ordem humana. O criminoso “comete uma terrível inconveniência”, transgredindo gravemente a ordem social; o herói se “singulariza perigosamente”. Ambos realçam o sagrado e só se distinguem pela orientação vetorial do herói: sagrado-esquerdo e sagrado-direito. O vidente, como Tirésias, é cego; o gênio da eloqüência é gago. . . a mutilação tem pois dois lados, revestindo-se também da complexio oppositorum, possuindo, assim, valor iniciático e contra-iniciático

(… )

A mutilação de Zeus é partícipe do “sagrado-direito”: visa em última análise, a prepará-lo para ser Um, para ser o rei, para ser ímpar, para ser o soberano, para ser o senhor.”

(…)

As lutas de Zeus contra os Titãs (Titanomaquia), contra os Gigantes (Gigantomaquia), episódio, aliás, desconhecido por Homero e Hesíodo, mas abonado por Píndaro (Neméias, 1, 67), e contra o monstruoso Tifão, essas lutas, repetimos, contra forças primordiais desmedidas, cegas e violentas, simbolizam também uma espécie de reorganização do Universo, cabendo a Zeus o papel de um “re-criador” do mundo. E apesar de jamais ter sido um deus criador, mas sim conquistador, o grande deus olímpico torna-se, com suas vitórias, o chefe inconteste dos deuses e dos homens, e o senhor absoluto do Universo. Seus inúmeros templos e santuários atestam seu poder e seu caráter pan-helênico. O deus indo-europeu da luz, vencendo o Caos, as trevas, a violência e a irracionalidade, vai além de um deus do céu imenso, convertendo-se, na feliz expressão de Homero (Il. I, 544)  pater andron te theonte  (patèr andrôn te theônte), o pai dos deuses e dos homens

(…)

Tão logo o pai dos deuses e dos homens sentiu consolidados o seu poder e domínio sobre o Universo, libertou seu pai Crono da prisão subterrânea onde o trancafiara e fê-lo rei da Ilha dos Bem-Aventurados, nos confins do Ocidente. Ali reinou Crono sobre muitos heróis que, mercê de Zeus, não conheceram a morte. Esse destino privilegiado é, de certa forma, uma escatologia: os heróis não morrem, mas passam a viver paradisiacamente na Ilha dos Bem-Aventurados. Trata-se de uma espécie de recuperação da idade de ouro, sob o reinado de Crono”

 

Casamentos e uniões

O grande deus que surge é o que consolida o novo poder do Homem Grego, derrota os deuses primevos da natureza, da rudez, junto com a sociedade matriarcal que entra em declínio. Mas para se consolidar como o deus dos deuses, ele tem que ser fecundo, espalhar fertilidade e se unir na sociedade, na natureza, ampliando seu poder de força às alianças terrenas. Aqui temos, em mais detalhes, trazidos por Junito, às várias uniões e os seus significados:

“Zeus é, antes do mais, um deus da “fertilidade”, é ómbrios e hyétios, é chuvoso. É deus dos fenômenos atmosféricos, como já se disse, por isso que dele depende a fecundidade da terra, enquanto khthónios. É o protetor da família e da pólis, daí seu epíteto de polieús. Essa característica primeira de Zeus explica várias de suas ligações com deusas de estrutura ctônia, como Europa, Sêmele, Deméter e outras. Trata-se de uniões que refletem claramente hierogamias de um deus, senhor dos fenômenos celestes, com divindades telúricas. De outro lado, é necessário levar em conta que a significação profunda de “tantos casamentos e aventuras amorosas” obedece antes do mais a um critério religioso (a fertilização da terra por um deus celeste), e, depois, a um sentido político: unindo-se a certas deusas locais pré-helênicas, Zeus consuma a unificação e o sincretismo que hão de fazer da religião grega um caleidoscópio de crenças, cujo chefe e guardião é o próprio Zeus.

Essas hierogamias são as catalogadas por Hesíodo (Teog. 886-944). A lista, no entanto, foi bastante ampliada após o poeta da Beócia. Vamos, pois, repetir o quadro com os necessários acréscimos, sobretudo com aqueles que têm maior interesse para o mito:

Zeus e Métis foram pais de Atená

Zeus e Têmis geraram as Horas e as Moîras

Zeus e Eurínome geraram as Cárites

Zeus e Deméter geraram Core ou Perséfone

Zeus e Mnemósina geraram as Musas

Zeus e Leto geraram Apoio e Ártemis

Zeus com sua “legítima” esposa Hera gerou Hebe, Ares, Ilítia

(e Hefesto?) Zeus e Maia geraram Hermes Zeus e Sêmele geraram Dioniso Zeus e Alcmena geraram Héracles Zeus e Dânae geraram Perseu

Zeus e Europa geraram Minos, Sarpédon e Radamanto Zeus e Io geraram Épafo Zeus e Leda geraram Pólux e Helena, Castor e Clitemnestra.

Eis aí os principais amores do senhor do Olimpo. Observe-se que as “sete” primeiras ligações de Zeus o foram com deusas e as “sete” outras são consideradas como simples uniões ou amores passageiros com mortais. O que na realidade acontece é que a maioria dessas mortais eram antigas imortais, que, por um motivo ou outro, sobretudo em razão de sincretismos, tiveram seus cultos absorvidos por deusas mais importantes e foram rebaixadas ao posto de heroínas, de princesas ou de simples mortais, como se verá”.

Zeus : Deus-único

Um debate muito atual sobre a questão do Deus-Único, que carregamos nos nossos valores da sociedade ocidental, também vem da Grécia antiga, quando Zeus derrota o Pai Crono e aos seus tios, os Titãs, depois as forças da Natureza. Zeus toma pra si todo o poder, traz aos nossos olhos o entendimento de que aquelas cidade-estado já não vivem mais isoladas e o mundo pan-helênico necessita de um poder “central” que emane ordem, estrutura, hierarquia e leis que sejam aceitas por todos. O Zeus/Estado se funda nesta necessidade, mas escutemos Junito, pondo a questão em outros termos:

“Mas, que representa, afinal, esse deus tão importante para os Gregos, dentro de um enfoque atual? Após o governo de Urano e Crono, Zeus simboliza o reino do espírito. Embora não seja um deus criador, ele é o organizador do mundo exterior e interior. Dele depende a regularidade das leis físicas, sociais e morais. Consoante Mircea Eliade, Zeus é o arquétipo do chefe de família patriarcal. Deus da luz, do céu luminoso, é o pai dos deuses e dos homens. Enquanto deus do relâmpago configura o espírito, a inteligência iluminada, a intuição outorgada pelo divino, à fonte da verdade. Como deus do raio, simboliza a cólera celeste, a punição, o castigo, a autoridade ultrajada, a fonte de justiça. A figura de Zeus, após ultrapassar a imagem de um deus olímpico autoritário e fecundador, sempre às voltas com amantes mortais e imortais, até tornar-se um deus único e universal, percorreu um longo caminho, iluminado pela crítica filosófica e pela evolução lenta, mas constante da purificação do sentimento religioso. A concepção de Zeus como Providência única só atingiu seu ápice com os Estóicos, entre os séculos IV e III a.C, quando então o filho de Crono surge como símbolo de um “deus único”, encarnando o Cosmo, concebido como um vasto organismo animado por uma força única. É indispensável, todavia, deixar bem patente que os Estóicos concebiam o mundo como um vasto organismo, animado por uma força única e exclusiva, Deus, também denominado Fogo, Pneuma, Razão, Alma do Mundo. .. Mas, entre Deus e a matéria a diferença é meramente acidental, como de substância menos sutil a mais sutil. A evolução desse Teocosmo, desse deus-mundo, é necessariamente fatalista, pois que obedece a um rigoroso determinismo. Desse modo, aos imprevistos do acaso e ao governo da Providência divina se substitui a mais absoluta fatalidade.

(…)

“Os “modernos”, todavia, denunciaram em determinadas atitudes do poderoso pai dos deuses e dos homens o que se convencionou chamar de Complexo de Zeus. Trata-se de uma tendência a monopolizar a autoridade e a destruir, nos outros, toda e qualquer manifestação de autonomia, por mais racional e promissora que seja. Descobrem-se nesses complexos as raízes de um manifesto sentimento de inferioridade intelectual e moral, com evidente necessidade de uma compensação social, através de exibições de autoritarismo. O temor de que sua autocracia, sua dignidade e seus direitos não fossem devidamente acatados e respeitados tornaram Zeus extremamente sensível e sujeito a explosões coléricas, não raro calculadas.”

Tem como não gostar, ler e estudar a Grécia Antiga? Boa parte de nosso pensamento vem de lá, nossas agruras, nossos plexos de ideias e complexos próprios de nossa herança cultural, genética, ética e filosófica.

Grécia consolidou uma época histórica e legou ao mundo ocidental toda esta carga de saber e valores que ainda hoje tratamos no dia a dia. Bem verdade é que Roma nos legou a política, conceito de impérios, de Direito, entretanto, é na Grécia que está à fonte do que é o Homem Ocidental.

(Publicado originalmente em 7 de dezembro de 2010)

 Save as PDF

Deixe uma resposta

Related Post