Arnobio Rocha Esportes Do Sarriá(82) ao Pacaembu(2012): Liberta Dores

474: Do Sarriá(82) ao Pacaembu(2012): Liberta Dores


Zico e Gentilli, a disputa

Exatamente neste mesmo dia 05 de Julho de 2011, escrevi um post sobre a Seleção Brasileira de 1982, A Tragédia do Sarriá: Brasil Arte 2 X 3 Itália Pragmática, talvez o maior time que já vi jogar na vida, craques de 1 ao 11, uma verdadeira SELEÇÃO, que será sempre cultuada como a maior Seleção Mundial que não foi Campeã do Mundo. Disse no artigo que continuo sonhando que o Brasil empata o jogo, ou que aquele jogo jamais terminou. Quem sabe um dia possamos voltar no tempo e modificar este acidente da natureza esportiva, corrigir um erro histórico.

Também deixei claro que aquele dia 05 de julho de 1982 tinha marcado a minha vida para sempre, era como se perdesse a inocência, não apenas esportiva, mas como um todo, a dor da perda, me perseguiu futebolisticamente por longos anos, que me atormentava, de forma tão traumática, que não conseguia rever o jogo, nem os gols, me dava uma angústia, um retorno àquele dia. Mesmo depois de admitir que o time da Itália, mesmo tendo sido horroroso na primeira fase da copa, era um grande time, não perdemos para uma porcaria, mas sim uma fatalidade destas inúmeras que acontecem no futebol. Daquele time comandado por Telê Santana, o melhor técnico que vi, tinha como capitão, o espetacular Dr Sócrates, um gênio e rebelde, revolucionário.

Sócrates (Sócrates e a Democracia Corinthiana), jogava no mais louco time do Brasil, o Corinthians da Democracia Corintiana, um verdadeiro desafio aos caretas e aos trogloditas da Ditadura Militar decadente. Sua postura de líder e contestador, fruto de sua vida acadêmica, formado em medicina, uma coisa raríssima no Brasil de atleta com formação superior, jogando em time grande. A geração de Sócrates encantava o Pacaembu, aquele time lindo e louco de atletas/cidadãos, atraiu a simpatia até dos torcedores adversários, que via neles uma contestação ao sistema. Sócrates também naufragou no estádio do Sarriá, fez uma partida espetacular, mas não deu, perdemos.

Por uma coincidência, destas inacreditáveis, um ano depois, o time do Dr Sócrates, que faleceu em 04 de Dezembro de 2011, transformou miticamente o Pacaembu, pelo menos na minha alma, uma resposta ao Sarriá. Os 30 anos da tragédia do Sarriá, foi apagada completamente pela vitória do Corinthians na Libertadores. Hoje, o Corinthians se constituiu no maior time do Brasil, por suas receitas ações de marketing, presença midiática, torcida. Mesmo tendo caído à segunda divisão em 2007, voltou jogando na bola em 2008, o clube que estava afundado em dívidas e desmoralização, renasceu, mais forte e consciente de seu papel e tamanho. Mas, faltava algo mais, para sua afirmação: A sonha Libertadores.

O sonho/pesadelo obsessão da torcida, atrapalhou grandes times, com excelentes jogadores, que sucumbia à pressão. A torcida, que tem um time, que se orgulha disto, ao mesmo tempo sofria nas gozações de time sem passaporte, sem grandeza mundial, mesmo tendo vencido o torneio mundial da Fifa em 2000. Parecia que este título não tinha legitimidade, tinha que vencer, um complexo de inferioridade, levava aos raios do desespero que prejudicou vários bons times. Para coroar o desespero, em 2011, praticamente estes mesmo jogadores de hoje, caíram vergonhosamente diante de um time obscuro, Tolima. A sina de perder estava estampada na cara de cada time do Corinthians que chegava ao mítico torneio.

O mais improvável dos times, sem nenhuma estrela, mas de um espírito de equipe, como raramente se viu, mesmo tendo ganho o título brasileiro de 2011, continuava cercado de desconfiança, da torcida e era alvo das mesmas gozações dos adversários. Estava fadado a nem passar da primeira fase, mesmo num grupo não tão forte, as nuvens estavam carregadas, um empate dramático contra um péssimo Táchira, confirmava que o destino era sofrer mais um ano sem libertadores. O time se equilibrou, passou bem pela primeira fase, mas sem inspirar qualquer certeza.

Uma eliminação prematura, com falhas incríveis do goleiro titular à véspera do jogo da oitavas, que desde 2000, o Corinthians não passava, ligou o sinal vermelho. Tite reuniu seus comandados e trocou o goleiro, pelo segundo reserva, uma aposta completa. Emelec era o adversário, que eliminara o Flamengo na primeira fase numa arrancada sensacional, prenunciava um desastre. Era o Emelec X É “meleca”( Nós). O primeiro jogo 0 x 0, Cássio fechou o gol. Muito nervosismo na volta, mas uma boa vitória. Veio o Vasco, mais tensão, um gol de Paulinho ao 43 do segundo tempo, evitou o trauma dos pênaltis. Três semanas de espera, para enfrentar o poderoso Santos, tricampeão da Libertadores, o último campeão, time do super craque Neymar.

O Corinthians surpreendeu, numa partida taticamente perfeita foi à Vila Belmiro e venceu, espantando até o mais otimista dos corinthianos, está na semi-final já parecia o limite, diante do grande adversário. O jogo da volta, Pacaembu lotado e nervoso, um duelo intenso, mas sem oportunidades, até que Neymar apronta uma grande jogada e faz o gol. Tudo perdido? a resposta foi Danilo, um dos mais experiente, com uma calma incomum ao Corinthians, empatou e o time deu conta de segurar bem o placar, um novo feito: Finalista da Libertadores. Mas o desafio era o Senhor Libertadores – o Boca Jr – time argentino 6 vezes campeão.

Nas últimas 4 vezes que enfrentou brasileiros tinha vencido. Um verdadeiro terror. Primeiro jogo na mítica La Bombonera. Um clima de terror, medo, tensão. O time se comportou bem demais no tempo inicial, porém na segunda etapa o Boca veio com tudo para cima, mas não conseguia assustar, num escanteio, achou um gol. De novo o temor de que estava tudo perdido, tomou conta da torcida, não dos jogadores, que ficaram tranquilos e numa retomada de bola, fez um contra ataque fulminante que terminou nos pés do garoto Romarinho, este, como se fosse um veterano, calmamente fez um golaço, depois de passe perfeito de Emerson Sheik.

Ontem era o dia final, para mim, estava em jogo 30 anos de um hiato de grandes títulos, mas aquela sombra me atormentava, o fantasma do Sarriá, me acompanhava, o receio era enorme. As torcidas adversárias provocaram além do limite, na última semana, com várias verdades incômodas, que tínhamos que engolir em seco. Primeiro tempo de não futebol, ninguém jogava, o Boca não chutou ao gol nenhuma vez, mas cuidou de tensionar ao extremo, a larga experiência de um time multi-campeão ajudava demais os argentinos. O Corinthians estudava, calculava, mas não ousava, o medo de errar, dar espaço, superava qualquer atitude mais concreta, parecia que o intervalo era o ponto central.

O segundo tempo começa diferente, mais agudo, o Corinthians venceu o medo e passou a rondar a área do Boca, que tem um time muito envelhecido, mais cansado, fisicamente esgotado, precisava enervar o Corinthians para achar um erro e vencer. Mas o destemor apareceu deste lado, Danilo numa “homenagem” ao Dr Sócrates, deu um passe de calcanhar dentro da área para um giro rápido e mortal de Emerson, que pega de frente ao goleiro, e fuzila sem medo. Um gol especial, quebrava a resistência do grande Boca. Agora era segurar, fazer o que de melhor este time do Tite tem: a consciência tática, a obediência total ao comando do treinador. O time reconhece seus limites e é extremamente disciplinado, se fecha num linha quase intransponível.

O Solidário e Forte Corinthians.

 

Mas nosso terrível passado não dava tranquilizar ninguém, eis que um lance fortuito, do mais experiente jogador do Boca, Emerson intercepta e avança em disparada rumo à área do adversário, passadas largas e firmes, olha a posição do goleiro e apenas rola mansamente no canto oposto, a bola entra mansinha no  pé da trave. O gol nos liberta, nos redime, nos honra, 28 do segundo tempo, ali nascia o novo campeão, invicto, 14 jogos, 8 vitórias, apenas 4 gols sofridos. O gigante Cássio levou apenas 2 gols em 8 jogos, todos de mata-mata, com grandes adversários. O Boca apenas ameaçou uma vez ontem em 90 minutos uma fraca cabeçada que Cássio pega em pose pra foto. A espetacular defesa, com os esforçados laterais Alessandro e Fábio Santos, raçudos conscientes demais de suas funções. Um miolo de zaga de respeito o experiente Chicão, o segundo maior zagueiro-artilheiro da história do Corinthians, que tem ao lado um craque, Leandro Cástan, um monstro, de técnica, seriedade e raça.

Um meio de campo formado pela melhor dupla de volantes do Brasil, um incansável marcador, Ralf, ao lado do maior craque do time Paulinho, um motor de defesa e chegada ao ataque, um cara que aprendeu muito a marcar e a chegar firme à frente, clássico meia direita, mas que aceitou jogar recuado, para melhorar o passe e a saída de bola. O entrosamento completo entre Ralf e Paulinho deu estabilidade a defesa e o bom passe no meio. Os quatro homens à frente são leões para marcar e atacar, com a excepcional cadência e maturidade de Danilo, um dinâmico Jorge Henrique, que corre como poucos. Aí os dois flutuadores, que armam e finalizam, o ótimo passe de Alex, e o espetacular velocista, provocador, incisivo e decisivo Emerson.

Todos iguais, na defesa protegida, na humildade de correr atrás dos adversários, nenhum jogador com as mãos na cintura. O comandante Tite, com seu palavreado quase folclórico, transmitiu sua mensagem de forma tão clara e honesta que todos jogam por si, pelo outro e pelo técnico. Uma rara comunhão. Esforço, garra, consciência, disciplina e explosão de raça. Todos afim de ganhar, sem individualismo, protagonismo, ninguém deu espetáculo, mas o conjunto é um espetáculo, dignidade e honra ao time e a torcida, que está em estado de graça, um retrato acabado do que é e sempre foi o Corinthians.

Ontem renasci, fiquei a madrugada acordado, lembrei de Sarriá, pensei, escrevi este texto na cabeça várias vezes.  30 anos depois me dou alta da terapia, sou torcedor sem traumas mais, agora é só curtir. Obrigado Telê, genial, imaginativo, fantasia e poesia. Obrigado Tite, sério, honesto, prosa e realidade.

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0 thoughts on “474: Do Sarriá(82) ao Pacaembu(2012): Liberta Dores”

  1. Belíssimo texto, feito com a emoção sem perder a razão de uma noite cheias de alegrias. Acho que a melhor coisa que a vida nos dá e por isso celebremos, é a idade, que vai nos trazendo mais experiências, mais virtudes, mais paciência e mais força a nossa vida. Abçs compa
    Rafael

  2. Camarada Arnóbio,

    Com um forte abraço de corinthiano e petista, agradeço pela emoção que seu texto me proporcionou.

    VAMOS A TÓKIO.

    Jorge Perez

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