Arnobio Rocha Crônicas do Japão Crônicas do Japão X: Mundo do Trabalho II – a armadilha (Post 83 – 37/2011)

Crônicas do Japão X: Mundo do Trabalho II – a armadilha (Post 83 – 37/2011)

Boas vindas (?)

Como falei no outro artigo sobre o local de trabalho, ele reflete a hierarquia da sociedade e do trabalho, a posição que você ocupa na mesa coletiva, quanto mais próximo da frente cargo mais importante, assim como nas mesas da frente quanto mais próximo do centro, cargo maior.

Nosso grupo de trabalho era formado por cinco pessoas nos apresentamos aos gerentes, entregamos os presentes e nada aconteceu, havia um lugar reservado numa mesa grande, e ficamos mais ou menos isolados das outras pessoas, ficamos à frente, perto das mesas gerenciais. Uma secretária nos informou do horário de almoço e que eles pediam “Bentô” que deveríamos pedir o nosso até as 10 horas da manhã.

Ficamos nos olhando, sem saber exatamente o que estava acontecendo, nosso Sensei (professor) estava em viagem viria apenas na semana seguinte. Até aí tudo bem, uma semana sem aulas, teríamos tempo de estudar materiais de trabalho, era um modelo novo de central telefônica que estava em desenvolvimento, assim acabaria sendo bom este tempo para um primeiro contato com o equipamento, manuais.

Mas havia algo estranho no ar, ficamos isolados, ninguém conversava conosco, exceto o protocolar Oyahô Gozaimassu (Bom dia) e o Oyassuminasai (boa noite, bom descanso). Aquilo incomodou, mas começamos a levar na boa, e como bons brasileiros, fomos fazendo brincadeiras, apelidos, piadas, sem nos expor muito, mas sempre rolava um clima mais “festivo” entre nós.

A armadilha

 

No quarto dia de trabalho já estávamos mais que à vontade, porém na hora do almoço ao descermos no elevador, estava bem cheio, um dos amigos, que era grande e estava bem gordo, recebeu uma piada em português até bom, “tem que fazer regime né, senão não cabe no elevador cheio”. Olhamos-nos meio espantados, um senhor japonês deu uma risadinha e saiu.

Quase não almoçamos, pois aquele senhor, ele se chama Tsuchiya, se sentava bem próximo de nós na mesa grande, ao voltar do almoço fui imediato ao lado dele e perguntei onde ele aprendeu português e tão bem. Ele disse que tinha morado no Brasil uns oito anos antes, tinha ficado um ano e dois meses aqui, e que estávamos cercados em todos os lados por pessoas que falavam português ou pelo menos entendia bem o que dizíamos mais ainda no final do dia eles se reuniam para mais ou menos passar a impressão de cada um sobre nós ao chefe.

Ou seja, caímos numa armadilha, e foi nosso primeiro choque de realidade de trabalho no Japão. Aquela semana “livre” no fundo era uma avaliação de comportamento, que dependendo, poderíamos até ser mandados de volta ao Brasil sem nem termos começado a trabalhar. No fundo, o amigo, ele se tornou grande amigo nosso até hoje, nos salvou de nossa própria tolice.

Nosso filme estava “queimado”, por sorte tinha feito um grande amigo, Yonekura, aqui no Brasil, que viera nos ajudar no começo da implantação do sistema celular, procurei desesperadamente o fone dele, e torci para que ele estivesse no Japão, pois ele trabalhava num departamento de trabalhos internacionais da empresa. Consegui falar com ele na sexta-feira e expliquei nossa situação. Ele deu risada e foi logo falando, vou marcar um jantar com todos estes chefes do escritório para apaziguar a situação.

Solidariedade de amigos

Semana seguinte ele fez um excelente meio de campo num jantar com boa parte dos caras do escritório, ele era chefe também e muito respeitado porque morou muito tempo fora do Japão. Reapresentou-nos para os chefes, falou que no Brasil tinha sido bem tratado por mim, aliviou a nossa parte.

Detalhe beberam muito, comeram muito também, entre nós tínhamos combinado pagar a conta, já estávamos preocupado com o valor, porque eles pediam de tudo, mas vai valer à pena. O certo é que no fim de tudo, umas 22 horas, lá tudo se encerra neste horário, Yonekura pediu a conta, lá vem à dolorosa, ele olhou o valor e deu ordem, para cada um deles pagasse uma parte de acordo com o cargo que ocupava, ainda saímos no lucro.

Figuras como Tsuchiya e Yonekura, que viveram fora do Japão, passam a ter uma visão mais aberta do mundo, respeitam os seus costumes, mas sabem da diversidade fora de lá. Sem dúvida, entendem melhor a vida, os costumes, sabe que determinadas idiossincrasias japonesas, como esta de querer “conhecer” quem os visita não é natural no mundo tão global.

Yonekura se definia como “carioca” e flamenguista, amava o Brasil, as pessoas, gostava de sair e de conhecer os lugares. Sempre que podia nos levava a restaurantes e bares, lugares escondidos que funcionavam até depois das 22 horas. Certa vez nos levou a um local, que parecia uma residência, na verdade era um pequeno restaurante caseiro, que tinha apenas três mesas. A especialidade era Yonesabe ( algo como cozido de panela), uma panela grande numa grelha cozinhava de tudo, pedaços de frango, peixe, frutos do mar e temperos variados, de vez em quando o dono do restaurante vinha com algo mais, e neste ínterim Yonekura ia mexendo a uma concha longa para dar o gosto. Um manjar dos deuses, feita ali na hora, ótima conversa, ele contando sobre o Brasil e a vida no Japão, talvez tenha aprendido mais ali de que em qualquer manual, ou artigo de jornal sobre os costumes e a essência daquele povo tão diferente e único.

Tsuchiya era um intelectual, engenheiro de telecomunicações estava migrando de telefonia para um novo ramo que estava surgindo: Internet. Ele trabalhava com Software aplicado, específico aos equipamento da Nec, pelo tempo de experiência já era uma espécie de consultor na empresa, como escolhera a carreira internacional, estava fora da hierarquia formal da empresa, apesar de ter cargo, na época era Shunin (chefe de seção), prestes a virar Catchô (Gerente médio), ele tinha apenas um subordinado e uma assistente. Foi um dos primeiros caras que conheci que estava saindo do mundo de telefonia e indo para o lado IP. Quando morou no Brasil, entre 1987 e 1988, além do português aprendeu a gostar de bossa nova, para minha surpresa conhecia quase tudo de Elis Regina, Tom Jobim. Falou-me, certa vez, que levara quase 50 LPs de música brasileira daqui. Era sempre um prazer conversar com ele, recentemente reencontrei-o no Facebook, vamos reativar a amizade.

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0 thoughts on “Crônicas do Japão X: Mundo do Trabalho II – a armadilha (Post 83 – 37/2011)”

  1. Adorei ler.
    O Japão sempre me intrigou, desde a infância, no norte do PR
    onde cresci com a japonesada toda, Nishimura, Hashitani,
    Matida, Shimabukuro, …
    Cresci dentro da fábrica de doces deles, eles falavam
    em japonës o tempo todo, misturando um pouco.
    Ali conheci as famosas revistas em quadrinhos e fotos
    japonesas, o cheiro da sua comida era bem diferente do
    cheiro das nossas, e conheci tb o ofurô.

    Fui a muitas cerimönias japonesas, de casamento e de
    morte também. Eles choram sim, e como choram…

    Eram meio que impenetráveis, os mais velhos, mas
    os jovens e as crianças saíam um pouco do prumo rsss..

    Eles adoravam minha avó, que morava em frente,
    e era a madrinha de casamento de uma das moças,
    a que viera do Japáo para casar com o japonês no Brasil.
    Que festa! Eles quebravam as cadeiras haha.. Falavam
    alto e dramaticamente.

    E quando minha avó morreu, foi uma choradeira terrível,
    eles náo se conformavam com a morte dela.

    Tenho um sobrinho japonês, e meu pai sempre trabalhara com
    os japoneses, de modo que sinto na pele tudo que vocë
    escreveu aqui.

    Interessante, como escreveu Proust, conhecer alguém
    tão diferente de nós. E de mim.

    Grata pela matéria, viu. Linda! E lida.

  2. muito interessante mesmo. como é bom conhecer melhor um povo pra superar a estranheza inicial… conhecendo melhor os russos aprendi que são os brasileiros eslavos, só que mais melancólicos.

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