Arnobio Rocha Crônicas do Japão Crônicas do Japão III: Mundo do Trabalho I (Post 76 – 30/2011)

Crônicas do Japão III: Mundo do Trabalho I (Post 76 – 30/2011)

Ainda no Brasil

 


 

Um esclarecimento prévio trabalhava desde 1989 em empresas japonesas do grupo Nec, grande fabricante de equipamentos de Telecomunicações, mais especificamente trabalhava na área de engenharia, primeiro em implantação de centrais telefônicas rede fixa, morei em 8 estados do Brasil, depois com Telefonia Celular, trabalhava na parte de software aplicado, dados dinâmicos de centrais telefônicas.

A ida ao Japão foi devido à nova geração de centrais da Nec, o Brasil ainda participava deste processo de desenvolvimento de equipamento, éramos mais 100 engenheiros e técnicos a ajudar, aprender e participar da transferência de tecnologia, antes do Brasil virar apenas “maquiador” de produtos ou só implantar o que já vem fabricado.

Portanto o método de trabalho, a hierarquia, a lógica de funcionamento de uma empresa japonesa eu conhecia bastante, pois eles reproduziam a mesma filosofia aqui no Brasil. Claro que há sempre algo mais quando se está na casa deles.

Mitos e roupas

 

O primeiro mito que caiu por terra foi que as jornadas de trabalho no Japão eram longas, chegamos ao escritório as 7:30 como fazíamos no Brasil, prédio fechado, inicio do trabalho as 9:00, pensamos, deve ser compensado no fim do dia, talvez pelas distancias estas coisas, que nada, as 17:30 era encerrado o expediente, portanto jornada de 7 horas e meia por dia, uma hora e 18 minutos a menos do que no Brasil. Fenômeno das jornadas longas são as horas extras que muitos fazem para aumentar o salário, outros ficam no escritório enquanto o chefe está lá, abaixo falarei de hierarquia.

Outro impacto foi que tínhamos que trabalhar de paletó e gravata, não importava se era no escritório, no laboratório (em que manipulávamos cabos de centrais, remoção de placas, ajuste de fitas magnéticas), todos usavam com cores escuras, preto ou azul marinho, mais ousado cinza, camisa branca e gravatas discretas. Imaginem olhar e lembrar que aqui só chefe graduado usava vestimentas formais. Detalhe, chegamos bem no início do verão, vocês não tem idéia o que o verão japonês, temperatura alta, mais de 34 graus, constante e muito, mais muito úmido além de sujo, uma crosta de poluição a sensação de que você está sujo sempre, nas ruas os caras usavam uma toalhinha no pescoço que pela manhã era branca, para limpar o suor e a sujeira.

Por sorte o hotel ficava apenas duas quadras deste escritório de engenharia da empresa, em íamos fazer treinamento e desenvolver nossas atividades nos próximos meses, eventualmente iríamos para fábrica que ficava numa cidade próxima. Então no almoço às vezes ia tomar uma ducha.

No caminho passávamos pela estação de Kashiwa, aí sim a certeza que estávamos quase noutro mundo. A visão que tinha era de que todos se pareciam demais, Japão é um país muito homogêneo, pouquíssima mistura, o modo de se vestir para ir ao trabalho contribuía para esta aparência comum, homens de paletó e gravata, como falei escuro e camisa branca. As mulheres com vestidos quase sempre preto ou pastel, salto alto, com um número a mais, que dava a impressão que surfavam sobre eles e que cairiam a qualquer instante. Aquela multidão, já 1996, com milhões de celulares em suas mãos, era uma massa uniforme demais, para meus olhos.

Hierarquia

 

O escritório, ou a fábrica, é a síntese da sociedade japonesa hierarquizada a disposição das mesas e a distribuição dos funcionários reflete exatamente isto. No nosso caso era uma ampla sala quase o andar de um prédio médio, tipo 40 m por 25 m, longas mesas funcionavam como divisórias, quem se sentava à cabeceira era o Shunin (Chefe de seção) e quem se senta mais próximo dele é que lhe sucederá. Quanto mais longe dele, mais novo de empresa ou de função, eram os últimos da cadeia alimentar.

As mesas à frente destas mesas/divisórias, também revelam a hierarquia quanto mais central maior o cargo, as das extremidades eram de Katchos(Gerente acima dos chefes de seções) e se aproximando do centro as de Butchos (Diretores) até a central de RonButcho (Superintendente). Havia umas mesas isolada nas extremidades que eram ocupadas por aposentados, que se mantinham na ativa, muitas vezes sem remuneração, apenas para ir ao escritório e não ficar em casa.

O esta hierarquia social começa desde a escola, lá é incutida na criança a obediência, o garoto do 1º ano obedece ao do 2º e por ai vai. Isto facilita o controle social rígido a certeza de coesão e pouco ou quase nenhum questionamento, quer seja na escola ou no trabalho, muitas vezes via uns jovens, nas ruas, de cabelos espetados, roupas extravagantes, mas na segunda feira estavam lá sentados comportados no escritório.

A ascensão social na empresa era extremamente controlada, cargo a cargo, não tinha como “furar a fila”, mesmo que fosse mais brilhante, tinha que esperar as provas internas para se mudar de cargo, na época demorava até 9 anos para se subir de cargo. As provas para subir de cargos eram basicamente de língua japonesa, quanto maior cargo, mais e novas palavras tinham que ser incorporadas ao vocabulário, torna-se mais polido no trato entre si.

Espantava-me quando eles atendiam ao telefone e tinha uma seqüência de saudação: 1) Nome da Empresa somando ao sufixo San; Nome dele; 3) cargo que ocupava – pois isto definia a hierarquia da conversa, as palavras usadas e/ou a submissão de um ao outro, ou relação de iguais, inclusive até a hierarquia entre as empresas. Só uma observação atenta percebia-se estas sutis relações de poder e mando.

Outro costume que aprendemos é que aquele que visita tem que levar Omiaguê (presente) que também deve ser hierarquizado, não é pela razão de preferência sentimental e sim no âmbito corporativo de acordo com o cargo. Compramos vários litros de Uísque para os diretores, depois presentes menores até os tradicionais chocolates para os demais. Mas, não dar Omiaguê é uma ofensa.

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0 thoughts on “Crônicas do Japão III: Mundo do Trabalho I (Post 76 – 30/2011)”

  1. Talvez o jeitão contido deles exponha mais a hierarquização da sociedade, porque europeus, americanos e mesmo nós somos hierarquizados também…

  2. Estou gostando de seus relatos sobre a experiência vivida numa sociedade tão diferente da nossa. Sempre que viajamos trazemos um pouco do que vimos e vivemos em nós,voltamos diferentes, sem perceber incorporamos saberes e sabores . Isto você deixa claro aqui. Continue, terá sempre uma leitora garantida.
    @sulains

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