Arnobio Rocha Política Obama e seus fracassos (Post 67 – 21/2011)

Obama e seus fracassos (Post 67 – 21/2011)

“Deixai toda esperança ó vós que entrais.

Inferno 3:9”(Inferno – Dante Alighieri)

A visita de Barack Obama ao Brasil coincide com um momento muito particular da política americana: sua imensa crise que vai pra os 30 meses sem que haja a perspectiva de solução. O governo Obama sofreu fragorosa derrota nas recentes eleições parlamentares, perdendo a maioria na Câmara e o poder de decisão unilateral no Senado.

Enfrenta também crise de credibilidade pelos documentos tornados públicos pelo Wikileaks, numa clara divisão interna de comando no Departamento de Estado. Aos olhos do mundo, Obama é visto cada vez mais como decepção e sem rumo, muitas políticas dos governos republicanos foram continuadas e, até em alguns casos, pioradas.

O texto abaixo busca fazer um balanço desde a vitória de Obama até sua recente derrota eleitoral, que coloca em xeque sua reeleição no próximo ano.

Um link com Roosevelt

A primeira coisa de que me lembro com Obama na presidência é de outro grande presidente americano, talvez o maior e mais singular deles, Franklin Delano Roosevelt. Herdeiro da catástrofe econômica de 29, assumiu a presidência em 32 vencendo a máquina partidária e com um programa de amplas reformas; rompeu com o liberalismo predominante e implementou fundamentalmente um programa keynesiano clássico, de intervenção estatal pesada. O New Deal foi centrado nos seguintes itens:

  • Controle sobre bancos e instituições financeiras;
  • Construção de obras de infraestrutura para a geração de empregos e aumento do mercado consumidor;
  • Concessão de subsídios e crédito agrícola a pequenos produtores familiares;
  • Criação de Previdência Social, que estipulou um salário mínimo, além de garantias a idosos, desempregados e inválidos;
  • Controle da corrupção no governo;
  • Incentivo à criação de sindicatos para aumentar o poder de negociação dos trabalhadores e facilitar a defesa dos novos direitos instituídos.

Roosevelt, apesar de vir do seio da burguesia americana – seu primo Theodore havia sido presidente em 1908 –, foi sempre taxado de comunista, esquerdista, e enfrentou oposição terrível do início ao fim do mandato; tudo em sua vida era motivo de exploração nos jornais. Espertamente ele resolveu fazer comunicação direta com o povo falando em cadeia de rádio sem intermediário, e assim rompeu o cerco que a mídia (jornais) tentou lhe impor. Para quem tiver curiosidade sobre esta época ler “Anos dourados” (Gore Vidal), romance que localiza bem a luta política enfrentada.

Fator Obama

Coincidência ou não, o motor da chegada de Obama à Casa Branca foi o desastre Bush Jr. Sem isto, ouso afirmar, jamais um negro, com família com vínculos ao islã, lá chegaria. Sua ascensão é algo extraordinário, inimaginável há 10 anos, quem de nós conseguiria vislumbrar algo tão luminar?

Obama surge do nada, ganha da favorita Hillary a indicação do Partido Democrata. Uma hipótese pouco cogitada seis meses antes, um negro na presidência. Vitória de um outsider total, sem um pé na máquina partidária, dominada pelos Clintons.

Obama faz um acordo cruel, entrega a Secretaria de Estado, ministério mais importante americano, a sua adversária Hillary. Enfrentando uma crise sem precedentes, mais ou menos dividiu seu governo em dois: no front interno liderado por ele, tenta aprovar reformas na saúde e recompor a economia em frangalhos. O front externo é entregue a Hillary e aos falcões mais reacionários. Como boa conhecedora da máquina de guerra, Hillary tem seu desempenho facilitado pelos crescentes conflitos advindos da ampla crise financeira mundial.

Assume a presidência naquela que é considerada a segunda maior grande depressão da história do capitalismo, o país mergulhado num atoleiro no Iraque e no Afeganistão, com pouquíssimo espaço de manobra, uma herança mais do que MALDITA, sob desconfiança da elite reacionária, que aceitou a derrota na batalha, mas prolonga a guerra via mídia. Neste contexto, no próprio Partido Democrata Obama tem poucos aliados confiáveis, é obrigado a montar um ministério de composição com as alas conservadoras e ainda manter um presidente do FED comprometido ainda com o neoliberalismo.

Estes fatores combinados, recessão violenta, desemprego, sensação de decadência, duas guerras no front, uma mídia hostil deixam pouco, ou quase nada, espaço de manobra para Obama se movimentar. Para nós que estamos de fora apontar o dedo de por que ele continua as guerras é fácil, por que ele não enfrenta os lobbies armamentistas, grupos poderosos etc. Seu próprio chanceler Hilary Clinton sabota-lhe  o trabalho: negociou com os golpistas hondurenhos, por exemplo, mas são as concessões inevitáveis de governo novo no meio do caos. Aqui não quero justificar os erros de conduta de Obama, mas tentar explicar os fatos com isenção.

 

Economia continua em crise, desemprego piorou muito nestes anos

Houve uma piora sensível nas condições políticas e de governabilidade, acentuada agora pela imensa derrota nas eleições congressuais bianuais, com a perda da maioria na Câmara e redução na maioria do Senado.

Os grandes bancos receberam pesados recursos do Tesouro, sendo salvos os banqueiros, os megainvestidores, mas nada sobrou para os endividados em hipotecas: passou a idéia de que é melhor salvar os ricos, sem se preocupar com quem realmente perdeu tudo.

As 400 maiores fortunas nos EUA têm mais dinheiro do que 155 milhões de americanos, uma brutal concentração de renda típica de “terceiro mundo”, que se aprofundou mais no governo Obama. Depois da “crise”, em recente pesquisa foi constatado que aumentou o número de americanos com mais de US$ 1 milhão em investimentos, situação contraditória numa crise sem precedentes.

Mas na outra ponta da economia há aumento no índice de desemprego e mais ainda o aumento drástico da população que recebe os Food Stamps (programa equivalente ao Bolsa Família (no pé do texto há um link sobre o programa): de fevereiro de 2010 a outubro passou de 39 milhões a 42,4 milhões de pessoas (quase 10%).

De acordo com o United States Department of Agriculture, as estatísticas para o programa de assistência alimentar são os seguintes:

  • 51 por cento de todos os participantes são crianças (17 anos ou menos), e 65 por cento deles vivem em famílias monoparentais.
  • 55 por cento dos domicílios do vale-refeição incluem crianças.
  • 9 por cento de todos os participantes são idosos (60 anos ou mais).
  • 79 por cento de todos os benefícios vão para as famílias com filhos, 14 por cento vão para as famílias com pessoas com deficiência e sete por cento vão para as famílias com pessoas idosas.
  • 36 por cento dos agregados familiares com crianças eram chefiadas por uma mãe solteira, a esmagadora maioria dos quais eram mulheres.
  • O tamanho médio do agregad
    o familiar é de 2,3 pessoas.
  • A renda bruta média mensal por agregado familiar do vale-refeição é de R $ 640.
  • 41 por cento dos participantes são brancos, 36 por cento são Africano-americanos, não-hispânicos, 18 por cento são hispânicos; 3 por cento são asiáticos, 2 por cento são indígenas, e 1 por cento são de raça ou etnia desconhecida.

Neste ambiente Obama jogou todo o seu peso para aprovar uma espécie de SUS, plano de saúde público, pois cerca de 45 milhões de americanos não tinham nenhuma proteção hospitalar e assistência médica (número coincidente com participantes do Food Stamps). O custo do seguro saúde é muito alto: a precarização do emprego e mesmo do subemprego impediam que esta faixa da população tivesse atendimento médico.

Porém o custo político foi desastroso, Obama foi pintado como “bolchevique”, socialista que quer acabar com a livre iniciativa. A dura batalha no Congresso foi divorciada da sociedade; um movimento protofascista, o Tea Party, cresceu de forma assustadora, elegeu inclusive representantes no novo Congresso.

Política externa desastrosa ruim com de perda de poder e influência no mundo


A dura visão do Departamento de Estado, dominado pela direita dos democratas, escolhe seus “inimigos”, o principal deles o Irã. Mesmo com o refluxo no Iraque a aventura no oriente médio ainda é prioritária, atende às demandas da indústria bélica, do setor petrolífero, dos militares e dos falcões de Israel.

Parece que nada mudou desde Bush Jr. A Sra. Clinton continua sua escalada de medo e ódio pelo mundo, Obama quase nada se diferencia, sua submissão é total ao que Hillary faz e desfaz.

Neste contexto, cada dia mais a China cresce como pólo aglutinador de forças econômicas e alternativa de investimentos, em particular no chamado 3º mundo. Com 5 trilhões de reservas cambiais, a China hoje é o principal credor americano, boa parte do destino do dólar está nas mãos dos chineses.

Esta sensação de perda do poder hegemônico mundial é mais uma derrota do governo Obama. A extrema dificuldade de dialogar com o mundo leva ao isolamento, e o império apenas é reconhecido pelo poder militar.

Mesmo em relação ao G20, Obama e Hillary nada fizeram para se aproximar e quebrar a influência chinesa. É inconcebível que Obama não tenha visitado o Brasil, o articulador mais dinâmico do G20. Este desprezo pelas relações diplomáticas torna a saída da crise americana mais distante ou em condições piores.

A recente desvalorização do dólar apenas reforça a visão equivocada de G2 (EUA-China) fechando os olhos para o resto do mundo. Ao comprar a guerra cambial com a China, Obama fecha as portas para qualquer diálogo com o restante do G20, em particular com Brasil, Índia, Rússia e África do Sul.

Falta de enfrentamento político com adversários

O surgimento de um movimento de extrema-direita nos EUA é reflexo da falta de combatividade de Obama, a complexa situação da economia, o empobrecimento crescente vistos a olho nu fizeram surgir no seio da classe média americana a Hybris do ódio e do ressentimento.

Consubstanciado no caricato Tea Party, algo parecido com típicos movimentos protofascistas que surgem na ebulição de grandes crises, em síntese são os ultraliberais contra o governo, o de Obama em particular, contra impostos, saúde pública, que querem resgatar o “sonho americano”. No fundo não passa de mais um pesadelo.

Aqui mais uma vez houve a maior falha de Obama: ele não tomou para si as rédeas de seu governo, foi bombardeado internamente pelos Clintons, por Nancy Pelosi e outros falcões democratas. Do lado de fora, o combalido Partido Republicano ressurgiu mais forte e mais à direita, galvanizando a letargia e, por que não, a covardia do governo Obama de enfrentar seus inimigos.

A imensa derrota nas eleições foi a maio senha de que Obama precisa agir com firmeza, afastar os adversários de dentro do governo, ir ter com o povo diretamente, sem meias medidas. Talvez este momento seja muito parecido com o que Lula viveu na crise do mensalão. Daquele momento em diante Lula assumiu seu destino. Será que Obama assumirá o seu? Parece que caminha para ser um novo Jimmy Carter.

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